50 | a manhã seguinte

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Maya Caccini — POV
São Paulo, 13 de fevereiro de 2024.

a manhã seguinte do luto é um dos momentos mais complicados para quem perde alguém. eu e a Helena nos víamos praticamente todas as manhãs na padaria do condomínio que morávamos. nós sabíamos que a outra estaria lá e eventualmente tomaríamos café juntas. mas hoje ela não estava lá.

seu enterro foi ontem, disseram que estava tudo lindo e ela dentro do caixão parecia um anjo. eu não compareci, nem o Piquerez, que havia sentido profundamente à perda.

meu namorado quem estava a disposição de toda a burocracia para que o velório acontecesse, entre todos, ele também era um dos mais próximos da Helena, mas se manteve forte o tempo inteiro, eu admirava muito aquilo.

nosso último dia no apartamento era hoje, já estava tudo na nossa nova casa, só faltava trancar as portas e passar no andar de cima, para ajudar a mãe da Helena a arrumar suas coisinhas.

— pronto, meu amor? — Richard se aproximou de mim, passando o braço pela minha cintura. — pegou tudo?

— acho que sim. — encostei minha cabeça em seu peito. — foi por pouco tempo, mas vivemos muitas coisas incríveis aqui.

— foi incrível. tudo ao seu lado é incrível. — ele beijou o topo da minha cabeça. — vamos?

eu assenti, e então, pegamos Lola no colo e saímos juntos daquele apartamento, tal qual haviam lembranças incríveis. como a bagunça divertida que foi quando me mudei com Helena; os mil e um beijos interrompidos com o Richard; todas as resenhas maravilhosas com nossos amigos; as noites que o Richard invadia minha casa e eu sabia que iríamos acabar juntos; quando ele se mudou pra cá e passamos a madrugada arrumando tudo e conversando... tantas lembranças, tantas histórias e tanta saudade que esse lugar deixaria.

Richard trancou a porta e eu chamei o elevador para um andar acima do nosso. assim que a grande morta de metal se abriu e eu dei o primeiro passo para fora, fiquei alguns segundos olhando para a porta em minha frente e criando coragem para tocar a campainha.

mas antes que eu tocasse, a porta foi aberta pela mãe de Helena, tia Débora. seu semblante tristonho e os olhos vermelhos e fundos eram perceptíveis, mas ela não pôde evitar um sorriso assim que me viu.

— Maya... — ela me abraçou. — eu estava sentindo que você viria.

— me desculpa por não ter vindo antes, tia. — me lamentei, sentindo uma onda de lágrimas e um vazio enorme assim que olhei pro apartamento.

nós duas então, abraçadas na entrada da casa, nos permitimos chorar uma no ombro da outra, por saber que não veríamos nunca mais uma das pessoas que mais amávamos.

— não tem problema, querida. sei como é difícil para você também — tia Débora disse, enquanto nos afastávamos um pouco do abraço.

— posso ajudar com alguma coisa? — perguntei, tentando manter a voz firme.

— claro, entre, por favor. ainda há algumas coisas da Helena que preciso organizar — ela respondeu, me guiando para dentro.

o apartamento da Helena ainda tinha o cheiro dela, uma mistura de baunilha e algum perfume floral que ela adorava. cada canto parecia um reflexo de sua personalidade; fotos nossas espalhadas pela sala, plantas que ela cuidava com tanto carinho, e o quadro que pintamos juntas em uma tarde ensolarada no Rio de Janeiro.

luz que me traz paz, richard riosOnde histórias criam vida. Descubra agora