Quase Anjos - O Homem das Mil Caras

Bitácora de Bruno Bedoya Aguero

Data terrestre: julho de 2030

Quando me lembro da dor da minha mãe e do meu pai ante meu corpo inerte nas vias do trem, agradeço que Mar e Thiago, os adolescentes, quando viajaram ao futuro, tenham respeitado a regra de não estabelecer contato com seus outros "eu", os de 40. Se o tivessem feito, teriam se encontrado com a versão desolada de si mesmos.

A partir daquela tarde do atentado contra o trem em que eu viajava, minha vida se desdobrou. Por um lado estava meu corpo, e por outro, minha alma. Mas meu espírito parecia vagar errante, sem que ninguém o advertisse; ao tempo que meus pais choravam junto ao meu corpo, internado em um hospital.

Mamãe e papai se alternavam para estar junto da cama onde jazia Bruno, inconsciente. Mamãe não se resignava a perdê-lo, ainda que os médicos já lhe haviam dito que já não podiam fazer mais nada. Estava em um coma irreversível.

Tentaram de tudo. Absolutamente tudo. Inclusive Cielo, que tantas vezes havia curado com seus dons, não pôde fazer nada dessa vez.

Eu permanecia junto a eles, tentando me comunicar em vão. As vezes mamãe parecia me ver, ou me sentir, mas ninguém, nem sequer Cielo ou Paz, que também era especial, me percebiam.

Penso agora que quando eu tive que ajudar o papai, quando ele tinha dezesseis anos e esteve à beira da morte por causa daquele implante, foi muito significativo que nosso encontro tenha sido em um trem. Em um trem, ele perdeu um filho, e em outro, eu salvei meu pai.

Papai passava as noites sentado junto da cama de Bruno, e eu estava ali, junto a ele, invisível. Via papai chorando, se sentindo culpado por ter me obrigado a ir para a universidade, sendo meu aniversário. Eu via o quão parecidos nós éramos. Todo mundo dizia, eu era uma cópia de papai quando ele tinha minha idade. E ali eu via os dois, tão parecidos, tão unidos antes, e agora, tão desgarrado meu pai. Eu queria tocar-lhe o ombro e lhe dizer que não sofresse por mim, que eu estava bem, mas ele não me ouvia.

Comecei a me desesperar.

Mas agora, do outro lado, os jovens ficaram ansiosos, e vão tentar abrir o livro dos cadeados antes da hora... vou dissuadi-los, e me divertir um pouco...

Esta bitácora continuará...