Quase Anjos - O Homem das Mil Caras

O homem das mil caras - III

A pedido de Mar, que não parou de falar com ele sobre a necessidade de fazer as pazes com seu passado, dando como exemplo sua própria história com sua mãe, Thiago concordou em se reunir com Ornella e escutar o que ela tinha para lhe dizer. Mar se ofereceu para acompanhá-lo, e ele o suplicou.

Sua mãe seguia sendo uma mulher bela e etérea, ainda que não parecesse nada bem, senão que parecia fazer um esforço enorme para se manter incólume, mas Mar e Thiago o atribuíram ao nervosismo que lhe provocaria a situação. O jovem tinha muitas reclamações, que eram, em definitiva, uma só:

- Por que me abandonou assim?

Sua mãe então tomou ar, e contou sua versão dos fatos, ainda que omitindo alguns. Contou que, por algo que havia acontecido antes de que Thiago nascesse, Bartolomeu tinha se enfurecido com ela, e devido a seus maus tratos, havia estado a ponto de deixá-lo, mas como justamente nesse momento ficou grávida, Barto praticamente a obrigou a se casar. Ela havia resistido alguns anos vivendo com esse homem a quem detestava, só por seu filho, mas chegou o dia em que não resistiu mais, e quis ir embora.

- Fácil assim? Você foi embora, fugiu dele e me deixou - lhe repreendeu ele.

- Claro que não - disse ela. - Eu quis te levar comigo. De nenhuma maneira eu teria te abandonado, mas quando ele soube que eu ia deixá-lo, me expulsou de casa.

- Que?

- Sim, meu amor. Naquele dia que você voltou do colégio e eu não estava, não foi porque decidi ir embora, e sim porque ele me expulsou. Me tirou como um animal da casa, e me ameaçou com me matar se eu voltasse.

- Não posso acreditar! - disse Thiago, se enchendo de ódio contra seu pai, outra vez.

Mar lhe apertou a mão, e ambos escutaram, com espanto, o resto do relato. Ornella lhes contou como havia tentado por todos os meios resgatar a seu filho das mãos de Bartolomeu, que naquele momento era muito poderoso, e tinha ameaçado inclusive com lastimar o menino. Ela não tinha recursos nem fortalezas, e nunca pôde se aproximar. Até que um dia soube que seu pai o havia mandado a estudar no exterior, com a clara intenção de afastá-lo dela e fazê-la perder seu rastro. Thiago, por sua parte, lhe referiu os argumentos que seu pai lhe havia dado, e os contestaram. Conhecendo o sujeito, era muito provável que as coisas teriam sido tal como Ornella explicava.

- Quando eu soube que ele havia te tirado do país, movi céu e terra para te encontrar, mas não tinha dinheiro para pagar um detetive privado, e também sequer sabia onde você estava. Perdi seu rastro, e fiquei louca. Acabei com uma depressão muito profunda, até que encontrei no caminho espiritual um consolo que me devolveu um pouco de paz, e de sanidade.

- Mas... e as cartas que me mandou? - perguntou ele estranhado.

- Jamais te mandei cartas, Thiago, porque não tinha para onde mandá-las.

Deduziram que havia sido Bartolomeu quem as havia escrito, somente para aumentar o ódio de seu filho contra ela.

- Há pouco tempo fiquei sabendo que seu pai estava em coma, e que você estava de volta, e assim que soube, vim te ver. Não te liguei porque sabia que você não ia querer me atender, esperava te ver, com a esperança de que me escutasse e acreditasse em mim.

De repente todo o ódio que havia acumulado contra sua mãe se desvanecia, mas ao mesmo tempo se deu conta de que sequer sabia o que sentir por ela, até isso seu pai lhe havia arrebatado. Falou com Nico, e ambos entenderam que a versão de sua mãe, ainda que tivesse algumas inconsistências, era mais crível que a de Barto, agora que conheciam seu verdadeiro rosto.

Thiago tentou obter alguma informação de Malvina, única testemunha daqueles dias, mas sua tia lhe recordou que quando ele nasceu, ela era apenas uma menina, e a única coisa que se lembrava era que Bartolomeu e Ornella brigavam muito, todos os dias e aos gritos. A possibilidade de que seu pai lhe houvera arrebatado a sua mãe quando mais a necessitava, reacendeu nele um ódio profundo, e Mar lhe aconselhou que tentasse deixar de lado essa fúria e, em troca, se dedicasse a recuperar o tempo perdido com sua mãe, que parecia sincera.