Capítulo 2

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Faz um mês exato que estou dentro de casa, fazendo nada além de trabalhar e escrever, comer e dormir. Nesses exatos trinta dias eu fiz trinta quadros e traduzi sete livros, o que significa que eu podia ficar dois meses sem trabalhar já que eu tinha que traduzir apenas três livros de quinhentas páginas por mês.

Consegui vender quinze quadros e contratei uma agência de entrega pra trabalhar pra mim, fazendo a entrega dos quadros pros compradores. Já as traduções eu enviava pela Internet pro meu chefe.

Estava escrevendo perfeitamente, resolvi começar com o ponto de vista do protagonista masculino e quando parti pra protagonista feminina, eu simplesmente entrei em uma crise existencial. Pois neste momento exato, eu estou com ciúmes dela, doentio, não? Bom, se quer saber, eu acho, muito.

A parte sensata da minha mente está envergonhada, a outra está com ciúme real e detestando a protagonista com todas as suas forças, o que nem sequer sentido faz. Afinal, eu a criei, e também criei o maldito indivíduo que desejo desde a primeira característica criada.

Estou irritada, frustrada e constrangida. O nível que minha carência chegou me faz recordar o já decorado número de contato do meu terapeuta, Carlos, que nos fins de semana bebia comigo até esquecer o próprio nome e descer o poço comigo. Isso aquando os dias de folga estavam atribulados demais. Seria errado pensar em nós como cachaceiros, éramos apenas pessoas afetadas pela vida de trabalhador.

Ele provavelmte iria mandar eu procurar o hospício mais próximo, resolvo manter minha dignidade.

Meu pulso doía de tanto escrever, eu gostava de escrever meus livros em cadernos invés de digitalmente.

Suspiro triste e cansada olhando pro meu caderno grande.

Eu estava escrevendo sobre um romance no campus, jovens recém saídos do ensino médio que deram início à faculdade. Tinha certa porcentagem de ficção e fantasia, de início é comum e logo eles se veem em um apocalipse.

O protagonista era um rebelde sexy, estupidamente lindo, playboy mimado e valente que de alguma forma conseguiu sobreviver. Ele era uma mistura entre badboy, playboy malandro. E bem padrão, ou deveria ter sido, mas quando vi, eu estava encantada apela minha criação.

Kalland tinha um metro e noventa, um corpo de dar inveja em qualquer modelo de revista. Cachos lisos abertos pretos, um sorriso enorme que o fazia lucir sapeca, fofo e sexy.

Pele branca e com pintinhas pretas espalhadas aqui e ali, olhos azuis, uma deles azul escuro cristalino e o outro azul claro.

Nariz afilado e médio. lábios carnudos e rosados, cheios na medida perfeita, nem mais, nem menos. Sobrancelhas desenhadas, grossas e bem feitas. Orelhas pequenas com pequenos brincos de argolas.

Personalidade extrovertido e distorcida.

Já a protagonista feminina... Bom, ela era ruiva, olhos verdes, alta, e de personalidade otimista, era agitada e inocente, porém decidida. Mas ela detestava a ideia de Kalland ter sobrevivido e seu namorado lutador não. Então uma rixa começa em meio a tentativa do grupo deles de sobreviver e então o amor surge. Mas humildemente, eu estava em crise agora pois eu não queria fazer meu garoto mimado - com um histórico familiar duvidoso e personalidade questionável - se apaixonar por ela, eu queria fazer a estória ser sobre ele e sua maneira de sobreviver (sem nenhuma mulher ou homem) mas estava me sentindo estúpida por isso.

Estava tão perdida na escrita que apaguei e, obviamente só notei isso quando acordei, jurei que enquanto estabilizava minha visão, vi sangue sobre o caderno em meu colo, mas conforme fui enxergando direito, não havia nada ali, mas minha caneta estava sem tinta e quanto senti umidade em meu queixo, passei o dorso na mão, vendo um líquido vermelho com cheiro ferroso, sangue.

Levantei aos tropeços, correndo pro banheiro, assim que cheguei olhei no espelho, agarrando as laterais da pia pra me manter ali sem despencar pelo desespero, era sangue do meu nariz.

Repiro fundo. É uma reação altura biológica pela mudança climática drástica que meu corpo está passando, apenas isso.

Tomo um banho unte no chuveiro e visto uma camisola.

Volto pro quarto e guardo meu cardeal na gaveta, eu escrevo em outra hora, era noite e melhor eu dormir, penso cansada e exausta pela crise anterior e o susto recente.

Deito em um canto da cama e apago tendo pensamentos sobre olhos heterocromos nunca vistos mas muito já imaginados, irritada e contente por imaginá-los tão bem.

.

- Porra, Kalland! Corre, porra, porra, porra! Nós vamos morrer! - Grita Fopper com a voz por um fio enquanto corre em direção ao pequeno muro divisório da rua pra casa de alguém e olha pra mim me apressando, vendo aquela hirda de zumbis ligo atrás de mim.

E acreditasse ele ou não, eu estava dando meu melhor.

Assim que ele pula o muro com dificuldade em seu um metro e setenta e cinco, eu o faço com facilidade, os zumbis socam a cara no muro e logo começariam ficar um sobre o outro, soterrado os outros, usando a pilha de mortos-vivos pra nos alcançar.

Continuamos correndo, pulando outros muros, não nos permitindo descansar, até finalmente vermos um muro alto o suficiente pra eles não conseguirem subir, nem nós. Fopper me olha querendo que eu lhe dê soluções, esse filho da puta acha que eu sou um gênio ou algo assim?

- Eu te dou pé-pé, te impulsionando pra cima, tu se agarra lá, passa as pernas pro outro lado e estende as mãos pra mim, entendeu? - Digo agitado, ansioso imaginando que aquelas coisas já nos alcançavam e outras se reuniam sentindo nossa presença, bom, nos escutando.

Ele anui freneticamente, mal sabendo se realmente daria certo, mas desesperado o suficiente pra pagar pra ver.

De costas pro muro, entrelaço minhas mãos e viro as palmas pra cima, ele apoia as mãos em meus ombros e um pé em minha mão.

- Um, dois, três! - Digo e o jogo pra cima, ele consegue se agarrar e logo sobe.

Mas ele estava com dificuldade pra se manter sobre o muro, logo percebi que eu não tinha a mínima chance de subir por conta disso.

Suspiro e olho pra frente vendo a cabeça de um zumbi na borda do muro, eles já estão aqui.

E eu não tinha saída.

- Atira, Fopper! - Digo em um tom sério pro meu amigo que arregala os olhos e já negava ansioso com a cabeça antes mesmo de falar.

- Não, não mesmo, eu vou entrar na mansão, desde ter uma corda ou algo assim, eu vou- Ele ia dizendo olhando pra um lado e pro outro, talvez pensando em como descer sem se matar contra o chão, ou se acharia essa corda antes dos zumbis me alcançarem.

- Não vai dar tempo, atira, caralho, eu não quero morrer devorado vivo!  - Digo entre dentes e ele já chorava, onde fui arranjar um amigo tão dramático e desestabilizado?

- E diz pra aquela vadia da Chayla que eu odeio ela. - Pontuo recordando da ruiva gostosa e fodida que fez eu sair da porra do abrigo pra procurar absorventes, alegando que eu era um dos menos significantes naquele lugar.

Como era isso ou ser chutado por um grupo de vinte e cinco pessoas pra fora, eu não tinha muitas opções. Fopper, meu fiel escudeiro, se ofereceu pra vir comigo e claro que ninguém se importou em deixar.

Agora aqui estávamos.

Eu escutei a trava da arma ser levantada e então arregalaei os olhos lembrando que eu estava pedindo pra ninguém mais que Fopper pra atirar e, Fopeer tem a mira de um vesgo míope.

- Pensando melh- Eu ia dizendo, dizendo tarde demais, devo acrescentar pois o tiro atravessou minha barriga e eu de forma estranha perdi a conciencia, Fopper em todo seu desespero deve estar pensando que eu morri, pois escutei seu choro de recém luto e seu grito ao cair do outro lado do muro, deve ter se estrelado todo.

Certeza que ele tinha mirado na minha cabeça e acertou minha barriga, como eu cai, deve ter pensando que acertou o lugar desejado, quis rir e suspirar em negação.

Sentia meu corpo formigando e os murmuros nada compreensíveis dos zumbis se aproximando, mas então senti uma louca sensação de desintegração antes de perder totalmente a conciencia.

A absorçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora