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O vento matutino passa pelas frestas da janela, a respiração calma, os olhos semi abertos olhando para a janela fechada. Rafael não queria levantar, ele queria ficar mais um pouco na cama, mas precisava escrever seu currículo e entregar nas lojas ou mercearias. O moreno boceja alto escondendo o rosto no travesseiro, os pensamentos voltando no rapaz de touca balaclava.

'Espero nunca mais ver aquele cara...', Rafael pensa ouvindo a porta do quarto se abrir. Ele levanta a cabeça e abre por completo os olhos. - Já vou levantar, tia. - Rafael murmurou virando-se na cama, seus olhos se arregalam vendo o mesmo rapaz mascarado de antes. Ele grita sentando na cama. - O que você faz aqui?! Tia! O que você fez com ela?!

O rapaz levanta a arma, os olhos vidrados no menor na cama. Rafael hiperventila se encolhendo na cama, ele grita levantando o travesseiro. Tentando se proteger do possível tiro.

Rafael senta na cama gritando alto, ele olha ao redor do quarto. Foi apenas um pesadelo. O moreno revira os olhos se jogando na cama, ele geme baixo, era a quarta vez que ele sonhava com o rapaz mascarado na noite anterior. Rafael esfrega as mãos no rosto, ele se arrasta para fora da cama e se endireita.

- Filho da puta...por que tenho que sonhar justamente com essa porra? - Rafael murmura calçando os chinelos, ele sai do quarto bocejando alto. O moreno passa pela sala de estar e entra na cozinha.

Seus olhos se arregalaram vendo o rapaz da noite anterior arrumando o encanamento embaixo da pia da cozinha. - Eu não sei como esse rato ficou preso no cano, Filipe. - a senhora de idade fala assistindo o rapaz tirar o joelho da pia.

- Às vezes eles sobem pelo encanamento e ficam presos no cano. Na casa do RJ tinha um rato morto e tivemos que jogar soda cáustica para levar embora o bichano. - Filipe responde saindo debaixo da pia, ele levanta, o peitoral sem camisa faz as bochechas de Rafael ficarem vermelhas.

A senhora olha por cima do ombro e sorri para o moreno parado na porta da cozinha. - Bom dia, meu menino. Esse aqui é o Rafael, Filipe...meu sobrinho que falei para você. - Rafael se aproxima e sorri para o mais velho, seus olhos desviam-se para o rosto sorridente.

- Prazer, Rafael. Sua tia contou muita coisa sobre você. - Filipe sorri, seu sorriso radiante arrepia o corpo do menor. O moreno coça a nuca, os dreads longos bagunçados.

- Muito prazer. - Rafael sussurrou abaixando o olhar, voltando a encarar o peitoral do mais velho. Filipe levanta o joelho e balança, o rato cai no chão e corre para fora da casa. Rafael salta de susto e ri sem graça. - Credo, ele ainda está vivo.

- Ainda bem que não joguei a soda, ou seria uma dor tremenda para ele. - Filipe levanta uma sobrancelha, ele ajoelha-se no chão e entra embaixo da pia. Rafael senta na cadeira ao lado da tia, seus olhos ainda focados no corpo do mais velho. A senhora segue o olhar do moreno, ela ri baixo levantando da cadeira.

- Vou comprar pão; por que não mostra alguns dos seus currículos para ele, Rafinha? Tenho certeza que conseguirá um emprego na oficina dele. - Rafael acena com a cabeça ainda alheia ao olhar que a senhora estava lançando para ele. O moreno franziu a testa olhando para a mulher. - Vou deixar vocês conversando. Você está solteiro, certo Filipe? Meu sobrinho também está.

Rafael morde a língua entendendo o recado da tia. Ele coloca as mãos no rosto e desliza pela cadeira, como se estivesse derretendo. - Tia...por favor... - O moreno sussurrou envergonhado. Ele estava arrependido em ter contado para a mãe que é Gay. Afinal, a mesma contou para a família toda. Mas apenas ela e a tia apoiaram Rafael.

- Vou deixar vocês a sós para se conhecerem mais. - A senhora ri baixo saindo da cozinha. Rafael morde os lábios revirando os olhos, ele queria desaparecer daquele momento constrangedor. Filipe pega a chave de grifo e coloca na interseção do joelho com o cano. Ele aperta, girando a chave ao redor do cano. A força faz os bíceps serem flexionados.

- Sua tia é engraçada... imagino que sua mãe também seja...como era a convivência de vocês? Na favela, em casa, sabe. - Filipe quebra o clima tenso que havia sido criado pelas frases óbvias da senhora. - Não se preocupe, não irei contar nada para ela ou outra pessoa.

Rafael abaixa as mãos, ele sorri fracamente e olha por cima do ombro, procurando a senhora. - A favela era um pouco assustadora. Minha mãe era usuária de drogas, então acabava devendo para os donos da boca de fumo. Eu...trabalhava no mercado para ajudar a pagar as contas de luz e água e também as dívidas dela com os traficantes...às vezes...eu tinha que me prostituir para eles... - Rafael sussurra a última parte.

Ele não queria ter falado aquilo, mas precisava colocar para fora seus segredos, mesmo que fosse para um completo estranho. Mas bem, ele se sentia confiante em conversar com alguém que era desconhecido do que dizer a verdade para a tia. Rafael não conseguia nem imaginar a reação da tia quando soubesse disso. Ninguém da família sabia que sua mãe usava drogas. Era um segredo apenas deles.

Filipe levanta, ele limpa o suor da testa com o antebraço e sorri fracamente para o moreno em sua frente. - Imagino que Paraisópolis seja diferente, temos regras aqui. Códigos de conduta, sabe? Cada um tem seu lugar específico...mas...sua mãe está bem?

- Sim, eu só quero conseguir um pouco de dinheiro para tirá-la daquele lugar...espero que até lá ela não venha a dever novamente para os traficantes. - Rafael suspira baixo apoiando a mão na bochecha, ele desvia o olhar para o chão, ainda envergonhado pelas palavras da tia.

- Tenho certeza que conseguirá.

- Trouxe o pão com mortadela. - A voz alegre da senhora de idade enche a cozinha de ânimo. Ela se aproxima e coloca a sacola em cima da mesa. - Vem comer também, você está magrinho.

- Muito obrigado, mas tenho que ir agora. Deixei o RJ sozinho na oficina e temos muitos pedidos para entregar. - Filipe se desculpa juntando as mãos, ele sorri lançando um olhar divertido para Rafael.

- Eu faço para você levar, não pode sair de barriga vazia. - A senhora diz tirando dois pães de dentro da sacola. Ela abre o plástico contendo a mortadela e começa a preparar o sanduíche. Rafael levanta sabendo que a tia não deixava que ninguém saísse da casa dele sem comer.

A senhora coloca os dois pães com mortadela em uma vasilha plástica e entrega para o rapaz. - Rafinha, pode abrir o portão para ele? - Rafael cruza os braços pelas tentativas da tia de criar um possível romance entre eles.

- Vamos, Filipe. - Rafael dá de ombros virando-se, ele sai da cozinha e vai para fora da casa. Filipe segura a maleta e a vasilha seguindo atrás do moreno, seus olhos se abaixam, analisando o corpo do menor. - Desculpe por ela...meus currículos estão na mochila, quando tirar as roupas de dentro eu peço para alguém me levar para a sua oficina. Você também trabalha com encanamento?

Rafael puxa o portão de ferro, deixando Filipe passar. O mais velho coloca a maleta em cima do banco da moto e sorri para o menor. - Trabalho de mecânico com meu melhor amigo, RJ, e nas horas vagas sou marido de aluguel. Se você precisar de algo que só um marido faz, é só me ligar. - Filipe ri baixo olhando nos olhos castanhos de Rafael.

- Tudo o que um marido faz? Isso inclui sexo? Porque se for estou precisando dos seus serviços. - Rafael brinca fechando o portão. Filipe levanta a cabeça pensando na pergunta, ele abre um sorriso presunçoso e acena com a cabeça.

- Sim, é algo que um marido faz, né?! - Filipe retruca rindo alto. Ele sobe na moto e coloca a maleta entre as pernas. - Vejo você depois, Rafael. Passo aqui para pegar o currículo de noitinha. Agora preciso tirar a poeira das botinas. - Rafael ri balançando a cabeça para o forte sotaque caipira do rapaz.

Filipe pisca com um olho e liga a moto. O moreno fecha o portão com o cadeado e vira, as bochechas ficam vermelhas, com uma tonalidade levemente roxa por conta da cor da pele. Parada, tentando se esconder atrás da porta, estava a senhora de idade, ouvindo a breve conversa entre os dois rapazes.

Rafael entra na casa, olha para a tia e desvia o olhar logo em seguida. - Tia...foi só uma brincadeira aquilo...

- Pensei que você fosse de Deus, Rafinha...

[+18] Códigos do CrimeOnde histórias criam vida. Descubra agora