Fuga

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Meu coração quase saltava do peito quando vi pela primeira vez aquela maldita porta aberta. Poderia finalmente fugir? Ou seria uma armadilha? Tantas perguntas surgiam, mas havia apenas uma única certeza em meus pensamentos: precisava tentar fugir, ou morreria ali. Nunca mais veria minha família. Eles jamais me encontrariam, pois nem eu mesmo sabia onde estava.

Respirei fundo e abri a porta com cautela. Contei cada degrau que subia. As vozes distantes eram incompreensíveis para mim. Estava ali há mais de seis meses e ainda não conseguia entender o que eles falavam. Sabia que o homem que me estuprava todas as noites era russo, e seus amigos também, mas aquelas vozes não pareciam ser russas, inglesas ou de qualquer outra língua que viesse à minha mente.

Tapando a boca, tentava aliviar minha tensão. Não queria ser pega, pois sabia que morreria no mesmo instante. Graças a Deus, ele não havia vindo até mim naquela noite, então estava vestida com um vestido florido de ombro. Pelo menos isso ele permitia: eu podia tomar banho e trocar de roupa todos os dias.

Minha garganta fechada dificultava minha respiração, e meus pés descalços pisavam delicadamente sobre a madeira bem polida e cara. Finalmente, cheguei ao topo da escada. Não havia ninguém por perto, mas as vozes rindo e cochichando ao fundo me faziam tremer. Era a segunda vez que via aquele corredor; a primeira foi quando ele me estuprou pela primeira vez.

A porta estava a menos de duzentos metros, mas eu teria que passar pela porta da sala principal, de onde vinha todo aquele alvoroço. Respirei fundo e contei até cinco. A imagem dele me possuindo veio à minha mente. Odiava achá-lo bonito. Algumas vezes, durante aqueles seis meses, achei que gostar dele seria o correto, talvez ele me libertasse. Mas todas as vezes que era mordida, enforcada ou quando ele passava a faca entre minhas pernas causando pequenos cortes, isso me fazia voltar ao estado normal e odiá-lo por tudo.

Minhas pernas tremiam, meu tornozelo doía. Tive que mancar em silêncio, arrastando-me pelas paredes de alvenaria pintadas de marfim. Minhas mãos frias, com hematomas nos pulsos, tremiam. A sala estava cada vez mais próxima. A porta estava bem à minha frente; só precisava atravessar sem ser notada. Meu corpo todo entrava em colapso. Se ele me pegasse, seria o meu fim. Respirei fundo mais uma vez e me esgueirei, dando uma pequena olhada para dentro da sala. Lá estava aquele maldito russo, conversando e rindo, bebendo e comendo como se fosse uma pessoa normal. Minha vontade era de tirar aquela porcaria que ele chamava de vida.

Enquanto o espreitava, senti uma mão tapar minha boca e me colocar contra a parede. Era o irmão mais novo dele. Fazia sinal de silêncio com a outra mão e segurou a minha, dizendo algo que eu não conseguia entender. Minhas lágrimas rolavam pelo meu rosto. Ele me guiou até uma saída, mais afastada de tudo e todos. Abriu a porta, me entregou uma mochila e finalmente disse algo que eu podia compreender.

— Fuja! Boa sorte — seu sotaque carregado quase não me permitiu entender o que ele dizia.

Apenas assenti com um sutil sinal e corri o mais rápido que pude. Corri e corri, mesmo com as pernas doendo, mesmo que o ar não chegasse aos meus pulmões. Queria apenas ficar o mais longe possível daquele ser repugnante. Depois de caminhar por mais de uma hora, cheguei a uma estação de trem, ofegante, cansada e morrendo de dor e medo por tudo. Sentei próxima à bilheteria e vi o que havia dentro da bolsa. Vasculhando cada canto, encontrei algum dinheiro, não era muito, comida e uma muda de roupa. Não importava para onde iria; só queria fugir dali o mais rápido possível. Comprei uma passagem para o próximo trem sem me importar com o destino.

Usei todo o inglês que sabia para comprar a passagem. Retornei ao meu lugar, enquanto o suor escorria por todo o meu corpo. Com o bilhete na mão, olhava atentamente cada palavra. Foi só naquele momento que descobri onde estava. Para ser mais exata, estava em uma cidadezinha no meio do Alabama, um dos estados que não tinha visitado. Enquanto esperava pelo trem, que sairia em vinte minutos, minhas lembranças me levaram ao início de todo o meu sofrimento.

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