Amor e Dor

Convivência

Havia passado mais de suas semanas desde que tínhamos chegado em Barrow. A noite anterior tinha sido tão puxada que não queria levantar de forma nenhuma, mas o despertador insistia em tocar. De modo sonolento abri os olhos, tateei a cama procurando por Dennis que tinha ido para minha cama de madrugada, mas não se encontrava mais ao meu lado. Rolei até o outro lado do leito, desliguei o despertador e voltei a fechar os olhos sendo envolvida novamente pelo sono. Após alguns minutos sentir um toque sobre meu braço e ouvindo uma voz ao longe, abri novamente meus olhos. Dennis estava curvado em direção ao meu rosto falando algo que para mim era quase um sussurro indistinto. Piscando algumas vezes tentava focar minha visão, quando ele falou novamente.

— Estou de saída... — Com o olhar confuso continuou — Não está me ouvindo, não é?

Nada responde, estava tentando ainda acordar, sempre dormia profundamente quando ele estava ao meu lado. Me espreguicei e sentei, ainda com parte do corpo embrulhada o olhava de relance, enquanto tentava manter os olhos abertos.

— Ouvi sim, quando você chegar vai ter comida de verdade, por favor não coma besteiras! — Acariciei seu rosto.

— O que como também é de verdade! — ele retrucou.

— Não é, mas não quero discutir sobre isso, apenas vá e me deixe morrer de preguiça...

Voltei a me enrolar com o lençol, ele levantou, beijou minha cabeça e saiu do quarto. Acordei quase duas horas depois assustada com o som da maquina que limpava a neve passar em frente da casa. Olhando para o relógio já se passava das 10h, mesmo com vontade de passar o resto do dia apenas deitada, sair do meu ninho macio e reconfortante.

Em pé diante do espelho notava as raízes do meu cabelo natural começarem a florescer. Lavei o rosto com a água fria, para tentar acorda de vez, escovei os dentes e tomei um banho rápido sem molhar o cabelo. Sair do banheiro arrumada, com uma calça jeans e uma blusa grossa de lã, toda colorida, não arrumei a cama apenas fui comer qualquer coisa para poder deixar a janta daquele garoto pronta.

Com uma vasilha cheiade cereais juntamente com leite, comia ouvindo aquele barulho irritante quesempre sobreponha a qualquer outro quando a casa estava vazia. A voz dele sempre me cercava de todos os lados, mesmo com o som crocante da trituração dos flocos em meus dentes, nem isso conseguia abafar a sua voz que eclodia no meu interior.

No fim daquela refeição melancólica, lavei os pratos que havia usado. Não sabia exatamente o porquê, mas sentia uma necessidade profunda de me afundar na solidão que me envolvia. Tentando afastar os pensamentos intrusivos e perturbadores, liguei o rádio, deixando-o na mesma estação. O locutor parecia mais interessado em anunciar produtos natalinos que em tocar música de fato. Iria preparar frango guisado com batatas e cenouras. Antes mesmo de abrir a geladeira, notei um bilhete preso à porta. As letras quase desenhadas diziam que ele não voltaria para casa por pelo menos mais dois dias, e no final havia um número de telefone para eu ligar caso precisasse de algo.

Aquilo foi pior que uma apunhalada, outra vez ele não iria voltar para casa. A incerteza de não saber o que Matthew estava fazendo, ou se ele estava me evitando por causa do que havia acontecido entre mim e Dennis, era insuportável. Eu não queria esperar três dias para ter notícias dele. Com o bilhete nas mãos, fui até a sala, sentei no sofá e disquei o número escrito no papel. O telefone chamou algumas vezes até que uma voz doce e feminina atendeu.

— Alô? Com quem deseja falar?

— Desculpe, mas eu gostaria de falar com o senhor Harris... — minha voz tremia, compartilhada pelo medo de que ele dissesse que não queria falar comigo.

O telefone ficou em silêncio. Não ouvi nenhum som ao fundo, nada, absolutamente nada, até que finalmente ouvi sua voz.

—Bianca? O que aconteceu? — ele disse, de forma firme.