De brasileiro para brasileiro

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Diego Souza

08/02/24 - Minas Gerais

- Por que está acordado tão cedo? - ouvi minha tia perguntar, enquanto se aproximava silenciosamente.

Eu estava sentado no chão da varanda da casa dela, segurando um copo americano cheio de café e encarando a rua como se algo interessante fosse aparecer. O sol ainda não havia nascido, mesmo que já fosse quase seis da manhã.

- Perdi o sono e saí para correr. Quando voltei, aproveitei para fazer um café. Não queria acordar ninguém, então vim aqui para fora - expliquei, tentando disfarçar o peso que sentia.

- Arreda aí - pediu ela, fazendo um gesto para que eu lhe desse espaço para se sentar ao meu lado. - Fala a verdade, meu garoto, está incomodado com a presença deles? - disse, apontando com a cabeça para dentro da casa.

- Na verdade, não. É até bom para eles. No final das contas, todos precisam fugir um pouco da própria vida - sorri fraco, tentando esconder minha inquietação.

- E do que você está fugindo, querido? - ela jogou seu xale por cima de mim, nos cobrindo a ambos.

- Estou me sentindo culpado. Culpado por me sentir cansado - confessei, sentindo um nó na garganta.

- Sabe, você sempre foi um garoto que gostou de trabalhar. Provavelmente por ver seu pai e sua mãe se esforçando tanto por um futuro, um futuro diferente do presente que viviam. Com dez anos, você sentava na porta da casa dos seus avós durante os fins de semana e esperava os vizinhos chegarem em casa, para oferecer uma lavagem de carro, para lavar a calçada, em troca de um trocadinho que fosse. Teve que crescer rápido demais - ela disse, com uma ternura que só uma tia como Eliza poderia ter.

- Acho que essa culpa vem justamente daí, tia. Eu vejo meu pai se sacrificando tanto para nos dar uma vida melhor, e agora estou aqui, exausto, sentindo que não posso parar - confessei, a voz quase falhando. - Meus avós trabalhavam mesmo aposentados, e não era andando atrás de um chefe cheio de si. Era trabalho que ficava marcado na pele, que machucava, que tirava anos de vida e talvez realmente tenha tirado. Meu pai chegava em casa de madrugada, depois de mais de 12 horas dentro de uma fundição.

Minha tia ouviu atentamente, seus olhos cheios de compreensão.

- É natural sentir essa pressão, querido. Crescendo nesse ambiente, você internalizou essa ideia de que o valor de uma pessoa está diretamente ligado ao seu trabalho, ao quanto ela pode aguentar - ela disse, mexendo delicadamente no meu cabelo. - Mas isso não é verdade. Você tem valor simplesmente por ser quem você é, não pelo quanto você pode suportar.

- Me sinto um ingrato - digo sorrindo sem graça. - Eles me estenderam a mão quando eu não tinha nem meu pai como apoio. O Gavin salvou a minha vida e a do meu pai. Se não fosse por ele, estaríamos afundados nas dívidas da minha mãe, dívidas de um sonho alto demais e de um tombo que foi maior ainda.

Minha mãe ficou quatro anos na Califórnia. As coisas estavam indo bem; a empresa estava crescendo, e o sócio dela estava buscando novos clientes. Meu pai recebia o dinheiro dela todo mês, mas sempre o guardava para emergências. Ela parecia feliz, estava conquistando o que sempre quis. Mas tudo mudou de repente.

Ela sumiu por dois meses, sem notícias. Meu pai e eu ficamos angustiados, tentando entender o que poderia ter acontecido. Foi quando meu pai decidiu que iríamos atrás dela. Com o dinheiro de quatro anos guardado, ele alugou uma casa no exterior, comprou as passagens e tiramos os passaportes. A esperança de encontrar minha mãe bem nos dava força para seguir em frente, mas, faltando uma semana para pegarmos o voo, meu pai recebeu uma ligação. Aquela ligação deixou um pedaço da alma de Alisson naquele dia.

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