Melfa on
O garoto suspirou trêmulo e se virou, tentando disfarçar as lágrimas que ameaçavam cair. Ainda de costas, limpou as pequenas gotas rebeldes que haviam rolado em seu rosto e, logo em seguida, ouvi o som de água sendo derramada.
Quando ele voltou a me encarar, sua face não demonstrava nenhum indício de tristeza, apenas uma expressão serena e reconfortante. No entanto, eu podia ver em seus olhos toda a dor que ele sentia naquele instante. Ele estendeu o copo na minha direção e, com um suspiro cansado, disse:
— Ok... Melfa, antes de continuarmos essa conversa, acho melhor você se acalmar um pouco. Por favor, beba um pouco de água.
Apesar de saber que ele estava certo, minha fúria retornou com mais intensidade. Impulsivamente, golpeei o copo de sua mão, que voou para longe, estilhaçando-se na parede à minha esquerda, espelhando meu próprio ser naquele instante.
Em uma última tentativa de afastá-lo, gritei mais uma vez, tentando canalizar todo o ódio nas minhas palavras. Falhei miseravelmente quando minha voz saiu embargada pelo nó espesso na minha garganta.
— Eu não quero a droga dessa água! Eu não preciso me acalmar, preciso que eles se calem, que me deixem em paz... Você sabe o que é ter essas vozes te assombrando dia e noite na sua mente?!
Ele engoliu seco e tentou falar algo, mas eu o cortei com mais um grito histérico, ódio e rancor saindo como ácido nas minhas palavras, não realmente direcionados a ele.
— Claro que você não sabe! Você faz parte da raça desgraçada que exterminou meu povo... E tudo por quê? Por causa da porra de um medo ridículo...
Após um instante de silêncio, João permaneceu calado, olhando para o chão de madeira. Então, voltei a dizer, minha voz quase inaudível.
— Você sabe o que é passar por uma guerra? Ver todos que ama queimados vivos em uma torre de gás? Ouvir seus gritos e não poder fazer nada? Ser o único sobrevivente por pena de outra pessoa? Passar 29 anos sozinho, fugindo, ouvindo cada lamento, cada grito, cada risada dos malditos se divertindo com a dor e sofrimento das crianças inocentes? Sobreviver com o peso de estar vivo...!
Ao terminar minha frase, vi que o moleque havia tombado sua cabeça para trás, mantendo seus olhos fechados enquanto respirava profundamente pelo nariz e soltava lentamente o ar pela boca.
Ele levantou a cabeça, fixando seus olhos nos meus, quase tão intensamente que wu podia ver pequenos tons de vermelho se formavam em suas íris, manchando o caloroso caramelo. Sua presença forte distorcia levemente o ambiente, tornando a sala mais quente, mas não de maneira opressiva, e sim como um cobertor quente em uma noite fria de tempestade.
Naquele mísero instante, senti-me como se uma quimera estivesse encurralando um pequeno coelhinho indefeso.
Quando aquela sensação parecia ter passado, ele respondeu em um tom de voz firme, porém calmo e lento, não ousando se elevar mais do que um tom de conversa formal, dizendo:
— Tem razão... Eu não entendo, eu não sei como você se sente, não sei como é estar na sua pele ou como é viver com os fantasmas do passado me atormentando constantemente. Mas, mesmo assim, eu ainda quero te ajudar, quero, nem que seja um pouco, aliviar suas dores, tirar esse fardo das suas costas...
— Por quê...
Eu perguntei a ele, minha voz havia saído falhada. Dei um passo para trás, abraçando, sem perceber, meu próprio corpo trêmulo, em uma tentativa de reerguer as barreiras quebradas da minha mente, tentar me proteger. Eu não consigo entender, não sei se quero saber, ouvir essa resposta. Algo em mim gritava para não acreditar naquilo, que não havia nada e ninguém que pudesse me ajudar, mas algo bem mais fundo em meu ser, uma pequena voz que há tempos não escuto, dizia fracamente para eu acreditar, que aquela era nossa chance de deixar para trás aquele abismo que acorrentava minha alma.
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Drómo Gia Ton Paraideis
Adventure"Drómo Gia Ton Paraideis": A história gira em torno de um jovem estudante do ensino médio que, no seu último dia de aula, se perde durante uma excursão escolar. Ele acaba parando em um mundo repleto de criaturas estranhas, aparentemente pacífico à p...