capítulo 14

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Melfa on
 
Perante a serenidade da floresta, na linha tênue entre o crepúsculo da manhã e o anoitecer, o brilho alaranjado dos céus projetava-se sobre as árvores, cujas sombras subjugavam a terra ao redor da solitária cabana. As criaturas repousavam em seus abrigos, enquanto os ventos frios sopravam pelos nossos corpos, carregando consigo o clangor do aço, sem abalar em nenhum momento as chamas da nossa determinação. Lutávamos com fervor, numa dança ritmada de movimentos fluidos e habilidosos, onde qualquer erro poderia ser doloroso.

Pelo menos, para o garoto. Para mim, o combate era tão natural quanto respirar. Meus movimentos fluíam como um rio, desviando de suas investidas com uma graça felina. Em algum momento, meu corpo passou a agir automaticamente, permitindo que minha mente vagasse pelos acontecimentos dessa última semana.

Desde a primeira sessão, tudo o que foi dito mexeu mais comigo do que eu esperava. Era como se um tornado de alívio e angústia caísse sobre mim, como se cada palavra destruísse uma parte daquela fortaleza que se formara fortemente ao meu redor, expondo minha alma aquebrantada. Por mais doloroso que fosse, cada conversa reconstruía meu ser. Apesar disso, durante todo o trajeto, lá estava João, guiando-me como uma luz em meio à escuridão, sobre o caminho estreito do abismo de luto, culpa e raiva descontrolada. Ele me protegeu de mim mesma quando eu estava fragilizada e lutou comigo quando a raiva se tornava insuportável.

Com o tempo, estabelecemos uma rotina diária: pela manhã, meditávamos para clarear a mente e organizar os pensamentos, e à tarde, treinávamos intensamente para canalizar meu ódio. Com essa convivência, começamos a conversar mais e a compartilhar experiências, dividindo igualmente as tarefas da casa (exceto cozinhar, pois ele me proibiu de chegar perto da cozinha). Acabando por nos tornando bons amigos; foi o período em que mais ri desde a infância

Dia após dia, a vida tornou-se mais alegre e colorida. O tormento gélido do passado deu lugar a brincadeiras e paz. A dor ainda existia, mas decidi seguir em frente, acender uma vela e sepultar esse sofrimento, libertando as almas das amarras deste mundo e desejando-lhes uma boa viagem para as terras de Valinor.

A lâmina da espada reluziu sob o último raio de luz. João atacou com um golpe alto, que bloqueei com facilidade, aproveitando a abertura para desferir um chute lateral que o fez voar alguns metros. Ele caiu no chão, segurando a lateral do corpo, o rosto contorcido de dor, encerrando a luta. Cravei a espada no chão e parei para respirar enquanto o via se encolher em uma bola agonizante, choramingando de dor. Revirando os olhos, caminhei em sua direção e, em tom de brincadeira, falei:

— Ah, para, eu não te chutei tão forte assim. E outra, não deixe sua guarda tão aberta.

— ARGH!! VOCÊ CHAMA ISSO DE CHUTAR FRACO!? Aposto que quebrei uma costela.

— Que dramático. Levanta, vamos entrar, já está quase anoitecendo.

Estendi a mão, e embora tenha recebido um olhar de indignação, ele acabou aceitando a ajuda. Em silêncio, seguimos para dentro da casa, atravessando o curto corredor até a cozinha. Durante o trajeto, suas queixas sobre o treino foram uma constante, murmuradas com uma mistura de frustração e resmungo.

— Mano, tô todo dolorido, como tu consegue ter tanta energia?

— Você é mole. No meu tempo, isso seria brincadeira de criança. Enfim, se está cansado, vai tomar um banho enquanto eu preparo a comida.

Como um felino assustado, ele pulou à minha frente, agarrando firmemente meus ombros. Com um olhar inquieto, ele exclamou:

— Nem pensar!! Já estou melhor, vá você tomar banho, que eu resolvo isso.

— E por que eu não posso cozinhar? Afinal, já não sinto medo do fogo.

— Para você fazer aquela sopa radioativa? Nem morto! Prefiro morrer do que isso.

Drómo Gia Ton Paraideis Onde histórias criam vida. Descubra agora