Página IV

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Resolvi parar de escutar atrás da porta e ir em direção à sala. Eu sabia que minha mãe não era exatamente o tipo de mãe que fazia festas de aniversário, que ia a reuniões da escola ou que preparava lancheiras para o almoço na escola, mas ela estava lá quando eu precisava dela, trabalhava duro para dar um bom futuro para mim e me amava do jeito dela, eu imagino. Mesmo ela não gostando de cozinhar, faria o bolo para mim pois sabia que isso me deixaria feliz.

Sentei no sofá e coloquei na minha serie de tv favorita. Meus pais ainda estavam no escritório, imagino que discutindo detalhes da festa, confirmando a presença de seus colegas de trabalho que viriam com seus filhos e outras coisas. Confesso que meu pai estava bem mais animado que minha mãe, mas ele sempre foi mais espontâneo que ela. De repente, meus pais saem do escritório e minha mãe vem em minha direção.

- Anda, Elle, vamos fazer logo esse bolo para sua festa. - Ela me chamou e andou em direção à cozinha. Eu e meu pai apenas concordamos e seguimos. Eu estava tentando conter minha alegria, mas era inegável minha animação, já que fui saltitante atrás dela.

- Bom, já que minhas duas princesas estão ocupadas, vou dar uma passadinha no hospital para ver meus pós-operatórios. Não vou demorar, prometo. - Meu pai disse, dando um beijo em minha mãe e logo após me colocando em cima do balcão da cozinha e plantando um beijo em minha testa. - Divirtam-se, meninas. - Ele saiu em direção à porta da frente. Minha mãe apenas sorriu e começou a procurar os utensílios necessários para o bolo.

- Eu realmente estou muito feliz, mamãe. Não fazemos muitas coisas juntas, sabe. - Eu disse cabisbaixa, mais como um lamento do que qualquer outra coisa.

- Você sabe que eu trabalho muito, Elle. - Ela se mantinha focada seguindo a receita que achou na internet e se movendo rapidamente para fazer tudo.

- Eu sei, mamãe, mas eu sinto sua falta. - Eu disse balançando os pés no ar, comendo mais um morango.

- Pare de comer os morangos ou não vão sobrar para o seu bolo. - Ela tirou o morango da minha mão e colocou de volta na vasilha de vidro. - Quer me ajudar? Lave os morangos e tire os talos verdes.

Rapidamente, concordei sorridente e pulei da bancada pegando a vasilha e indo até a pia lavar os morangos. Eu realmente apreciava esses raros momentos com a minha mãe. Ela fazia tudo com delicadeza e maestria. Será que havia algo que ela não soubesse fazer? Eu fielmente acreditava que não. Para mim, ela era perfeita. Terminei de lavar os morangos e me virei com eles ainda molhados, pingando água no chão para entregá-los à minha mãe. Eu realmente deveria ter escorrido a água, pois a vasilha escorregou e caiu no chão, espalhando cacos de vidro e morangos pela cozinha. Minha mãe subitamente deu um pulo, olhando para o chão e depois para mim com uma cara definitivamente nada amigável.

- Eileen, pelo amor de Deus! Você não é capaz de se mover sem causar uma bagunça? Olha o que você fez, tem caco de vidro e morango por todos os lados. - Ela disse em um tom quase gritando, me puxando com força para fora da zona de perigo.

- Desculpa, mamãe, estava escorregando e eu não vi, eu não tive culpa e caiu tudo no chão. Eu vou limpar, eu juro. - Eu disse, me virando em direção à despensa à procura de uma vassoura, quando minha mãe me parou abruptamente.

- Você não vai fazer nada. Você só faz bagunça. É capaz de tentar limpar e quebrar mais alguma coisa. Vai procurar alguma outra coisa pra fazer longe daqui. Eu termino isso tudo. - Ela se virou ainda zangada e pegou uma vassoura e pá para limpar o meu estrago.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Corri para o jardim, minhas lágrimas escorrendo pelo rosto, e me joguei no balanço de corda que meu pai tinha feito. O jardim sempre foi meu lugar seguro, um espaço onde eu podia ser eu mesma sem medo de errar. Enquanto balançava, eu tentava acalmar meus pensamentos, mas a tristeza persistia. Por que minha mãe não conseguia me amar do jeito que eu precisava?

Fiquei lá fora por um tempo, observando as nuvens e tentando esquecer o que tinha acontecido na cozinha. O tempo passou rapidamente, e logo ouvi a voz do meu pai chamando meu nome. Ele estava de volta do hospital e parecia preocupado.

- Elle? Onde você está, querida? - Ele chamou, caminhando pelo jardim.

- Aqui, papai. - Respondi, minha voz ainda embargada pelo choro.

Ele me encontrou no balanço e, ao ver minhas lágrimas, se ajoelhou ao meu lado, me puxando para um abraço apertado.

- O que aconteceu, meu amor? Por que está chorando? - Ele perguntou, sua voz cheia de preocupação.

- Eu estraguei tudo, papai. Deixei os morangos caírem e a vasilha quebrou. Mamãe ficou muito brava comigo. - Expliquei entre soluços.

Ele suspirou, acariciando meu cabelo.

- Não se preocupe com isso, Eileen. Todo mundo comete erros. Tenho certeza de que sua mãe não quis magoar você. Ela só estava estressada, está bem? - Ele disse, tentando me consolar.

Eu assenti, ainda me sentindo triste, mas o abraço do meu pai sempre tinha um jeito de fazer tudo parecer um pouco melhor.

- Vamos voltar para dentro e ver como podemos ajudar sua mãe, ok? - Ele sugeriu, se levantando e me ajudando a levantar também.

Voltamos para a cozinha juntos. Minha mãe estava terminando de limpar a bagunça e parecia mais calma. Quando nos viu, suspirou novamente, dessa vez parecendo mais exausta do que zangada.

- Eileen, me desculpe por ter gritado com você. Eu estava muito estressada. - Ela disse, com um tom de voz mais suave.

- Tudo bem, mamãe. Eu só queria ajudar. - Respondi timidamente.

- Eu sei, querida. E eu aprecio sua ajuda. Vamos terminar esse bolo juntas, certo? - Ela disse, tentando sorrir.

Passamos o resto da manhã trabalhando juntas na cozinha. O bolo começou a tomar forma, e com a orientação do meu pai e um esforço conjunto, conseguimos terminar a tempo para a festa. Apesar do início difícil, ver o bolo pronto me encheu de uma sensação de realização.

Começamos então a arrumar a mesa com os doces e as decorações no jardim.

- Moranguinho, por que não vai se vestir para a festa? Suas amiguinhas já devem estar chegando.Eu amava quando meu pai me chamava de moranguinho, mesmo já tendo 14 anos, acho que vou amar essa apelido mesmo depois de adulta.

- Claro, papai.Mamãe, você me ajuda ?Tenho muitas opções  - peguei sua mão querendo puxá-la até meu quarto para me ajudar a achar uma roupa perfeita.

- Eu já vou, está bem, querida? - Ela soltou minha mão. - Vou só terminar de ajudar o papai. - Ela sorriu gentilmente.

Entrei correndo em casa e fui direto ao meu quarto. Tirei todas as possíveis opções de roupas do closet e coloquei em cima da cama, todas em tons de verde. Minha mãe sempre disse que o verde realçava meus cabelos ruivos, então adotei como minha cor favorita. Fiquei saltitando pelo quarto à espera da minha mãe. Fui até a janela do meu quarto, que dava para o jardim, e pude ver meus pais conversando. Não parecia que estavam brigando, mas também não parecia que estavam completamente felizes.

- Elisa, vai me dizer o que aconteceu? - Eric colocava a bandeja com os cupcakes temáticos em cima da mesa.

- Sobre o quê? - Elisa franziu as sobrancelhas, deixando no rosto uma expressão confusa

Sombras e SegredosOnde histórias criam vida. Descubra agora