Pagina IX

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Minha mente estava em turbilhão. A revelação cortante de minha mãe ecoava dolorosamente em meus ouvidos, lançando dúvidas e mágoas que eu não sabia como processar. Sentia-me como se estivesse à beira de um abismo emocional, incapaz de compreender completamente o significado do que acabara de ouvir.

Eu me agarrei ao corrimão da escada, tentando manter minha respiração sob controle, mas era inútil. Cada palavra dita reverberava em meu peito, pesando como pedras sobre meu coração. Olhei para baixo, tentando desviar o olhar da cena tumultuada na cozinha, mas era impossível ignorar a dor visível nos rostos de meus pais.

O silêncio que se seguiu à explosão de emoções era ensurdecedor. Eu queria correr, fugir para o meu quarto e nunca mais enfrentar aquela realidade que se desdobrava diante de mim. Mas algo me prendia ali, como se eu precisasse entender mais, como se uma parte de mim soubesse que precisava ouvir mais, mesmo que doesse.

Meus pais permaneciam parados, encarando-se mutuamente com olhos carregados de anos de história não compartilhada. Era como se eu visse um lado deles que nunca deveria ter visto, um lado que preferiria ignorar. E, no entanto, ali estava eu, presa entre suas palavras afiadas e o peso de suas verdades não ditas.

Então, sem mais palavras trocadas, minha mãe virou-se abruptamente e subiu as escadas, deixando-me e meu pai na cozinha, envoltos em um silêncio quebrado apenas pelo som sutil de minha respiração irregular. Eu não sabia o que fazer, não sabia se conseguiria me mover novamente um dia, mas eu precisava. Precisava ir até meu pai, precisava do conforto que só ele poderia me dar. Levantei-me trêmula, mal sentindo minhas pernas. Agarrei-me ao corrimão e desci as escadas, meus olhos marejados e respiração pesada. Forcei-me a ir até a cozinha; meu pai estava lá, com o olhar vazio, a mão trêmula, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Quando ele me viu, enxugou as lágrimas rapidamente, como se pudesse disfarçar o que eu tinha visto e ouvido.

- Você acordou, Moranguinho? Mamãe e eu estávamos conversando sobre o trabalho, acho que falamos muito alto. - Ele bebeu um copo de água de uma vez só, como se estivesse com sede há anos.

- Não tente disfarçar, pai. Eu ouvi tudo - engoli em seco - absolutamente tudo. Queria me aproximar, mas não conseguia. Minha mente pedia para me aproximar, mas meus pés não obedeciam.

- Eu sinto muito que você tenha ouvido tudo isso, Eileen. Você não deveria ter presenciado nossa discussão. - Meu pai suspirou, seus olhos procurando os meus com uma mistura de tristeza e preocupação.

Eu me aproximei lentamente, finalmente deixando as lágrimas rolarem livremente pelas minhas bochechas. A dor e a confusão se misturavam dentro de mim, sem saber como processar tudo o que tinha acabado de descobrir.

- Mamãe... ela realmente nunca quis que eu existisse? - Minha voz saiu em um sussurro, carregada de uma dor que eu nunca havia sentido antes.

Meu pai me abraçou com força, como se quisesse me proteger de todo o sofrimento do mundo.

- Sua mãe... ela está passando por um momento difícil, querida. Às vezes, as pessoas dizem coisas que não querem dizer quando estão magoadas. Mas isso não muda o quanto você é amada, Eileen. Não muda o quanto eu te amo. Você é a luz das nossas vidas, não importa o que aconteça.

As palavras dele me confortaram um pouco, mas a ferida ainda doía profundamente. Eu sabia que precisava de tempo para digerir tudo aquilo. Mas também sabia que ele estava tentando amenizar a verdadeira imensidão do problema; ele sempre fazia isso, sempre tentava me proteger e apaziguar as coisas entre minha mãe e eu.

- Você sabe que é mais do que isso, papai - pensei bem nas próximas palavras - minha mãe não me ama - fixei o olhar em meu pai, esperando, mais do que nunca, que ele tivesse uma resposta agora, que ele dissesse que isso não é verdade, que são apenas os hormônios femininos em minha mãe, que ela me ama e que está apenas chateada e cansada. Mas ele não disse nada, ele não disse uma mísera palavra, e isso já era tudo que ele poderia me dizer, isso já era mais que suficiente, não precisava ser dito mais nada. Ele tentou se aproximar e me abraçar, mas eu saí correndo, as lágrimas novamente em meu rosto. Subi as escadas cambaleando, não aguentando o próprio peso do meu corpo, caindo em alguns degraus. entrei correndo em meu quarto e tranquei a porta deslizando até o chão, abraçando meus joelhos enquanto soluços escapavam de meus lábios. Lumos, que estava deitado na cama, levantou a cabeça, olhando para mim com curiosidade e preocupação. Ele se aproximou lentamente, esfregando-se contra minhas pernas e soltando um miado suave, como se quisesse me consolar.

- Pelo menos você está aqui comigo, Lumos - sussurrei, acariciando suavemente sua cabeça.

Os minutos pareciam horas enquanto eu me afundava na tristeza e na confusão. Minha mente estava em turbilhão, revivendo cada palavra que ouvira, tentando entender como minha vida mudara tão drasticamente em questão de minutos.

Uma batida suave na porta me fez levantar a cabeça. Era meu pai.

- Moranguinho, posso entrar? - sua voz estava suave, mas carregada de preocupação.

Eu hesitei por um momento, mas sabia que precisava dele agora mais do que nunca.

- Pode, papai - respondi, minha voz fraca.

Ele entrou lentamente, fechando a porta atrás de si. Sentou-se ao meu lado no chão, sem dizer nada por alguns segundos, apenas me envolvendo em um abraço caloroso. Suas mãos eram firmes e seguras, e por um momento, senti que talvez tudo pudesse ficar bem.

- Eu sinto muito, Eileen - ele finalmente disse, sua voz rouca. - Eu sinto muito por você ter ouvido aquilo. Eu sei que está machucada, e eu queria poder fazer isso desaparecer.

- Por que ela não me ama, papai? - perguntei, minha voz quebrando. - O que eu fiz de errado?

- Você não fez nada de errado, meu amor - ele respondeu rapidamente, segurando meu rosto entre suas mãos e me fazendo olhar em seus olhos. - Isso não é culpa sua. A situação é complicada, e às vezes, os adultos lidam com as coisas de maneiras que nem eles entendem. Mas saiba que eu te amo mais do que qualquer coisa neste mundo. E vou sempre estar aqui para você.

Lágrimas voltaram a escorrer pelo meu rosto, mas desta vez não eram de tristeza pura. Havia um consolo na presença do meu pai, uma pequena chama de esperança no meio de toda a escuridão.

- Vamos superar isso juntos, Eileen. Eu prometo. A mamãe só precisa de tempo - ele disse, me abraçando novamente.

Ficamos ali, abraçados no chão do meu quarto, enquanto Lumos se enroscava ao nosso lado. Apesar da dor e da confusão, eu sabia que tinha alguém ao meu lado, alguém que nunca me abandonaria. E, de alguma forma, isso me dava força para enfrentar o que viesse a segui. Eu não me lembro em que momento me senti sonolenta, mas senti meu pai me pegando no colo e me colando na cama, me cobrindo e me dando um beijo na testa, não tive forças para contestar, apenas abracei meu travesseiro e adormeci.

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