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Sentei-me na bancada da cozinha, observando atentamente o que minha mãe cozinhava. Ela percebeu minha presença e rompeu o silêncio.

— Seu pai teve uma cirurgia de emergência, eu saí mais cedo e ia te buscar, mas ele disse que o Julian já estava a caminho, então fiquei e fiz o almoço para nós. E queria muito conversar com você, querida — ela se virou com um semblante de culpa e preocupação no rosto. — Fiz seu prato favorito.

Seus gestos e palavras me deixaram um tanto desconcertada. Por um lado, era reconfortante vê-la tentando se aproximar depois de tudo o que aconteceu. Por outro, as palavras que ela disse ainda ecoavam na minha mente. Respirei fundo antes de responder, tentando controlar minhas próprias emoções.

— Obrigada, mãemãe. Eu... também queria conversar com você. Sobre ontem à noite — minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia, carregada de incerteza.

Ela assentiu com um leve suspiro, voltando sua atenção para os pratos no fogão.

— Eu sei que você ouviu coisas que não devia, coisas que... não queria que soubesse. Foi um momento difícil, e eu... não soube como lidar. Mas quero que entenda que, mesmo com nossas diferenças, eu te amo muito. Você é minha filha, e isso nunca vai mudar.

Ouvir suas palavras trouxe um misto de alívio e dor. Era reconfortante saber que ela ainda me amava, mas difícil aceitar que essas palavras contradiziam o que eu ouvira antes.

— Eu sei que disse coisas... terríveis. Coisas que não devia — ela prosseguiu, parecendo buscar as palavras certas. — Mas entenda que foi o calor do momento, emoções à flor da pele. Eu não quis te magoar, Eileen. Eu só... estava confusa e cansada.

Eu a encarei por um momento, buscando nos olhos dela a verdade por trás das palavras.

— Eu só quero entender, o que você quis dizer quando disse que o papai me trouxe para a vida de vocês? Eu fui uma gravidez indesejada? — perguntei, tentando manter minha voz firme sem transparecer o nó na garganta e as lágrimas que queriam surgir.

Ela suspirou profundamente, como se escolhesse cuidadosamente cada palavra antes de responder. Seus olhos encontraram os meus com uma mistura de tristeza e sinceridade.

— Eileen, você nunca foi indesejada. Seu pai e eu... nós tivemos nossas dificuldades, como qualquer casal, mas você sempre foi um raio de luz nas nossas vidas. Quando eu disse aquilo, estava confusa e magoada, não pensando direito. Seu pai sempre te amou desde o momento em que soubemos que você estava a caminho. Ele te trouxe para nós no sentido mais bonito, querendo dizer que você trouxe mais amor e significado às nossas vidas.

Ouvir essas palavras trouxe algum conforto, mas também aumentou minha confusão. Eu queria acreditar nela, mas as palavras duras ainda ecoavam na minha mente. Respirando fundo, perguntei com cuidado:

— E quanto ao que você disse sobre não me querer? Foi apenas o calor do momento também?

Ela abaixou o olhar por um instante, como se buscasse a resposta correta.

— Eu... estava errada, querida. Estava cansada e confusa, como disse. Nunca quis dizer que não te queria. Às vezes, as palavras escapam antes que possamos pensar direito.

Fiquei em silêncio por um momento, absorvendo suas palavras. A verdade estava começando a emergir, e eu precisava decidir como lidar com isso. Eu realmente queria acreditar nela, queria deixar isso para trás e seguir em frente. Minha mãe nunca foi um modelo perfeito de mãe, mas também não era tão ruim quanto muitas por aí. Eu estava confusa e magoada, mas sabia que meu pai ficaria muito feliz se eu me reconciliasse com ela. Ponderei por alguns instantes, pensando na minha mãe, no meu pai e no que aconteceu. Minha mente era um turbilhão que eu não conseguia acalmar, mas para meu próprio bem, eu precisava resolver isso.

Minha mãe percebeu que eu estava quieta por mais tempo do que ela esperava e resolveu quebrar o silêncio.

— Elle, minha querida, por favor, me perdoa. — Ela se debruçou no balcão, segurando minhas mãos. Eu a encarei por um momento e pude ver o genuíno arrependimento em seus olhos. Sorri e assenti com a cabeça.

— Claro, mamãe. Eu te perdoo. — Sorri sinceramente e acariciei sua mão. — Estou com fome, o que você cozinhou?

— Seu favorito, risoto de camarão. — Ela me soltou e virou-se para servir a mesa.

Nesse momento, ouvimos a porta abrir e meu pai entrou na cozinha pelo corredor. Quando nos viu juntas, abriu um grande sorriso. Ao ver meu pai entrar na cozinha com aquele sorriso caloroso, senti um alívio profundo. Ele caminhou até nós com passos largos e nos abraçou ternamente, unindo-nos em um gesto familiar que significava mais do que mil palavras.

— Como foi o dia de vocês? — perguntou ele, olhando para nós com carinho.

Minha mãe e eu trocamos um olhar significativo antes que ela respondesse.

— Foi um dia de conversas importantes, não é, Eileen? — disse ela, com um tom suave que denotava gratidão pela minha decisão de perdoá-la.

Assenti, sentindo um nó na garganta ao perceber o quanto aquela reconciliação era importante para ambos os meus pais. Era um momento de cura para nós como família, um passo em direção à reconstrução de laços que pareciam frágeis até aquele momento.

— Está tudo bem, mamãe. — Falei suavemente, desejando acalmar suas preocupações. — Eu também estou feliz por estarmos juntos agora.

Meu pai sorriu ainda mais, seus olhos brilhando com orgulho e alívio.

— É ótimo ouvir isso, querida. — Ele nos abraçou novamente, e por um instante, senti que, apesar dos desafios, estávamos no caminho certo.

Enquanto nos sentávamos à mesa para compartilhar o risoto de camarão, eu sabia que as feridas emocionais ainda precisavam de tempo para cicatrizar completamente. Levaria um tempo para perdoar minha mãe completamente, e não seria fácil restabelecer um laço entre nós, mas eu faria o possível para que isso acontecesse pelo meu pai. Ele sempre fez tudo por mim, sempre me amou incondicionalmente e sempre priorizou minha felicidade acima de tudo. O almoço foi barulhento; eles conversavam e riam como sempre faziam quando estavam juntos. Eu estava pensativa, pensando nos meus pais, em Julian, em Sophie e no Nick.

— Julian foi me buscar hoje — soltei sem olhar para eles. — Ele parece legal. Ele me disse que vocês se conhecem há muito tempo, papai. De onde o conhece?

Meus pais se entreolharam por alguns segundos em silêncio, até que meu pai começou a falar.

— Conheço os pais dele há um tempo. Fiz faculdade com o pai dele, e quando James me disse que o filho também fez medicina, eu arrumei um estágio para ele no hospital — explicou calmamente, tomando um longo gole de vinho.

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