O relógio marcava duas da manhã quando finalmente saímos da delegacia, meu pai estava mortalmente calado enquanto dirigia até o hospital, o corte da minha cabeça tinha parado de sangrar, mas é muito provável que ainda precisasse de pontos, encarei os nós dos meus dedos, vermelhos e luxados, pensando em como quebrar o clima desagradável dentro do carro.
Passaram mais alguns minutos até que eu decidisse falar algo, mas antes que eu abrisse a boca, meu pai começou a falar primeiro.
– Sabe, eu esperava uma recepção calorosa, mas não desse jeito, eu imaginei algo mais discreto, como um jantar em família com frutos do mar e vinho francês, não uma cena ao vivo de Rocky , protagonizada por meu próprio filho. – ele falou, mas seu tom não era de repreensão, não exatamente. – Mas eu sei que você não se meteria em problemas se não fosse absolutamente necessário, então, como é a primeira vez, acho que podemos deixar isso passar.
– Eu não tive a intenção de brigar, meu corpo agiu no automático, quando eu vi, já tinha socado ele de volta.
– Eu sei, você não é esse tipo de garoto, meu filho.
Apenas concordei com a cabeça, cansado demais para falar mais alguma coisa, minha mãe continuava calada, talvez estivesse bebada, talvez estivesse zangada, ou só estivesse cansada, depois de um tempo, eu parei de conseguir distinguir entre suas variações de humor. Fiz uma nota mental de que quando chegasse em casa, escondesse meus cigarros e ligasse para o Vance antes de dormir, já que ele tinha ido para casa ao mesmo tempo que meus amigos, por volta das onze horas.
Chegamos ao hospital e fomos direto ao consultório medico, já que o local estava praticamente vazio, o médico parecia relativamente novo para a profissão, ele tinha a pele clara, olhos verdes e cabelo escuro, no máximo vinte e seis anos. Enquanto fazia os curativos no meu rosto, ele me fazia perguntas sobre a briga, para entender melhor meus machucados, e apesar de cansado, mal humorado, e com saudades de um certo par de olhos azuis, eu me prontifiquei em responder cada pergunta com um sorriso educado no rosto.
Ao final do atendimento, depois de eu ser remendado igual a uma boneca de pano antiga, e estava quase saindo pela porta, o médico me chamou de volta com uma voz meio tímida.
— Meu nome é Luke, se você quiser sair pra fazer algo qualquer dia, ou precisar de ajuda com os machucados, aqui tá meu número, mas caso você decida me ligar, faz isso pela manhã, a noite eu não estou em casa.– ele falou rápido, e empurrando um papel em minha mão, aceitei com um sorriso amarelo e sai da sala.
Por Deus, que Vance nunca nem sonhe que isso aconteceu.
(...)
Quando chegamos em casa, passando das três da manhã, minha mãe me deu um beijo no rosto e subiu as escadas, indo direto para o quarto. Eu olhei meu pai, que simplesmente abriu os braços, eu me joguei contra ele, os meses de saudades acumulados e o estresse do dia me fazendo querer o máximo de afeto possível. Quando nos soltamos, ele seguiu em direção a cozinha, e voltou logo depois, com uma garrafa de whisky e dois copos, fazendo um sinal para que eu o seguisse, subimos até o segundo andar, e fomos em direção oposta aos quartos, indo até a varanda, nos sentamos em um dos sofás, colocando a bebida na mesa de centro, ele tirou o blazer, a gravata e desabotoou dois botões da camisa social branca, tirando os sapatos logo dm seguida, eu imitei suas ações e comecei a tirar meus sapatos enquanto ele enchia os dois copos com o líquido âmbar.
Peguei meu copo e olhei em direção ao homem do meu lado, e apenas nesse momento percebi o hematoma quase totalmente apagado em sua clavícula, mamãe provavelmente viu isso. Meu pai, assim como minha mãe, é o tipo de pessoa que pode ser considerada bonita, olhos puxados, cabelos pretos e lisos, um corpo atlético e um senso de humor incrível. As mulheres sempre caiam aos seus pés, e ele, apesar de ser um ótimo pai, nunca foi um exemplo de marido.
– O garoto loiro na delegacia, eu nunca tinha visto ele. – meu pai falou de modo descontraído, jogando a cabeça para trás, mirando as estrelas.
– Aquele é o Vance. – respondi vago, tentando parecer casual. Meu pai olhou para mim, claramente pedindo mais informações. – Nós fazemos algumas aulas juntos, acabamos nos tornando amigos.
– Ele parecia bem irritado, sabe, mais irritado que o Finn e o Robin, eu posso dizer.
Meu sangue gelou com as palavras que ele disse, minha mãe já tinha dado a entender que sabia sobre nós, mas eu não queria que a visão que meu pai tem de mim mudasse por causa disso.
– Nós nos tornamos bem próximos.
– Filho, você nunca foi uma pessoa de respostas vagas, tenho certeza que isso não mudou nos últimos cinco meses.
– Muitas coisas mudaram nos últimos cinco meses, pai.
Ele suspirou, olhou para mim, olhou para o enorme jardim na nossa frente, abriu a boca para falar algo, e ficou quieto de novo. Talvez pensando em que palavras usar agora.
– Sabe aquela estátua?– ele questionou, apontando para uma escultura de mármore perto da piscina, era da deusa Athena, com uma grande coruja em seu ombro. – Você se lembra de o por que de termos as estátuas de todos os treze deuses gregos mais fortes da mitologia grega no nosso jardim ? – balancei a cabeça em negação. – Quando você era menor, por volta dos cinco anos de idade, você ficou obcecado por mitologia grega, tudo que era relacionado ao Olimpo e aos deuses, e você gostava tanto que me fez trocar todas as esculturas de anjos para as de deuses. Você se lembra da parte infantil da nossa biblioteca ? O motivo de termos tantos livros sobre Sherlock Holmes ?
– Eu gostava quando era mais novo.
– Exato, e eu comprei todos os livros e tudo relacionado a mistérios para você, até mesmo uma capa e uma lupa.– ele disse rindo.– Quando você fez dez anos e começou a jogar beisebol, e eu comprei uma coleção de camisetas de jogadores famosos, contratei instrutores e consegui equipamentos profissionais para você.
– Entendi, entendi, eu fiquei obcecado por muitas coisas ao longo do vida, aonde você quer chegar ?
– Eu só queria dizer, que apesar de alguns dos seus interesses terem passado, você olhava para todas essas coisas do mesmo jeito. Tem um brilho no seu olhar, um ar de possessão quando se trata dos seus desejos, Bruce, e você olha para aquele garoto do mesmo jeito que olhava para a estátua de Artemis anos atrás.
– Você não está bravo ?
– Eu ? Não. Eu te amo, independente de qualquer coisa, com quem você escolhe transar não vai mudar isso.
– PAI .– eu repreendi, rindo com sua falta de filtro, e ficando vermelho com a insinuação.
– O que foi ? Ainda não aconteceu ? – ele perguntou, achando graça da minha falta de jeito.
– Não. – respondi, olhando para o chão envergonhado, enquanto virava o copo, tentando conseguir coragem para terminar essa conversa.
Eu e meu pais ficamos na varanda até os primeiros raios de sol aparecerem, a garrafa de bebida já estava abaixo da metade, nós estávamos com os dedos gelados, e eu já sabia de cada detalhe de suas últimas viagens, assim como ele sabia de cada detalhe sobre o meu relacionamento inexistente com o Vance, que agora meu pai queria urgentemente que fosse apresentado formalmente a ele.
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Eu não imaginei ( The Black phone)
FanfictionE se os sequestros nunca tivessem ocorrido, e se Bruce Yamada tivesse uma queda pelo garoto problema do colégio, mesmo tendo que manter sua reputação cuidadosamente feita. E se o lindo garoto de cabelos loiros tivesse conquistado o coração de um do...