Capítulo 5. Lia

17 4 1
                                    

 Está tudo muito quieto. Não consigo dormir à noite pensando no que ele fará, em seu próximo passo. Deus, o que eu fiz? Eu é quem deveria buscar vingança. Ele não tentou mais nada comigo desde o episódio do primeiro dia de aula, um mês atrás, mas eu ainda sinto seu aperto em meu pescoço e cabelo. As aulas seguem normalmente, as professoras ainda me estimulam a contar sobre o motivo de eu estar aqui nas terapias em grupo, já nas individuais, eu nunca vou, pelo menos não regularmente. Apareço lá uma vez por mês apenas para dizer o que a psicóloga quer ouvir, depois vou embora normalmente. Não é culpa da Srta. Lopez, ela parece realmente querer ajudar, e apesar dos professores estarem cientes que mandei Anna Berry para o coma, eles não sabem o motivo que me levou a isso, esse é um dos motivos que vai me manter presa nesse lugar por mais tempo. Eles querem que eu me arrependa, mas não consigo, e se eu dissesse que voltaria no tempo para fazer diferente eu estaria mentindo, nada me agradou mais na vida do que ver aquela garota desmaiada no chão, ela era má.

Fico me balançando na cadeira da sala enquanto o professor de filosofia fala algo sobre o vazio humano. Odeio essa aula, ela parece ser uma desculpa para que os depressivos fiquem falando sobre como o mundo é difícil e como somos sofredores, citando autores que falam sobre o existencialismo humano - ou a falta dele. Essa aula é uma tortura, ainda mais sem Camila ou algum dos meninos por perto. Fiquei muito triste quando vi como nossos horários estão extremamente diferentes esse ano. Quando estou no dormitório, ela não está, quando ela está eu não estou, quando ela sai eu ainda estou dormindo, quando eu chego ela já está na cama. Os meninos e eu temos pelo menos uma aula todos os dias, e com "meninos", eu incluo Caleb. Ele grudou em meus amigos como abelha no mel, então mal falo com eles, além de estar em algumas aulas comigo, não trocamos nada além de olhares raivosos. Sinto que ele me olha de cima, como se soubesse de algo que eu não sei e isso me deixa em estado de alerta.

- Lia? - O professor me chama.

- Sim?

- O que você pensa sobre isso? - ele questiona, sabendo que eu não estava prestando atenção.

- Sobre o que? - pergunto, ouvindo alguns risinhos.

- Jean Paul Sartre, defende que "o vazio vem do sentimento do nada que experimentamos." O que você pensa sobre isso?

Penso por um instante antes de começar a falar.

- Quer sinceridade? - peço.

- Sempre.

- Acho que vocês estão encarando isso com olhares muito negativos.

- Como assim? - ele pergunta com curiosidade.

- O fato de existir um vazio implica que há possibilidade de enchê-lo, só precisa ter coragem para fazer isso. - Respondo com simplicidade.

- Jacques Lacan, heim? - Não é um tom impressionado por eu saber quem foi Lacan e sua teoria, mas por eu ter falado algo em sua aula.

- Quem diria que essa garota sabe ler. - Ouço alguém falar e encaro. Emily Miller, mais uma do grupo das anêmicas e doidas por emagrecer. Vive de capuz por cima do uniforme e sombra preta em volta dos olhos verdes.

- Oh, meu Deus, você fala meu idioma? - Digo fingindo surpresa. - Achei que as aberrações tinham uma língua própria!

- Meninas, vamos manter o respeito. - diz o professor.

- Isso que dá juntar sociopatas e gente triste. - Diz Emily.

- Pessoas tristes são as vítimas mais legais, sabia? - respondo sorrindo e lhe dando uma piscadela, recebo um dedo do meio.

O alarme toca e levamos um susto. Alguém se machucou. A aura brincalhona sumiu da sala. Esse alarme é diferente, ele significa que alguém teve uma recaída - uma tentativa assassinato, suicídio ou fuga.

- Vamos ter calma, pessoal, continuem em seus lugares. - ninguém está escutando, principalmente eu. Por favor, que não seja Camila.

Corro para a área dos dormitórios, mas as pessoas estão indo para o prédio C, onde temos terapia. Vários professores formam uma barreira no meio do caminho e os enfermeiros já estão indo para dentro do prédio. Mesmas perguntas de sempre "Quem é? " "Será que é suicício?" Apenas escutamos esse alarme duas vezes antes, essa é a terceira. Tento olhar por cima das pessoas mas não consigo ver nada, sinto meus batimentos aumentarem até alcançarem os ouvidos quando os enfermeiros saem com um corpo na maca. Coberto. Merda. Desde que estou aqui, é a primeira vez que alguém se mata.

No meio da multidão algum sem noção puxa pano que cobre a face da pessoa, é quando eu a vejo. Olhos desligados, os cabelos negros com sangue. Olivia Metz, estava aqui por agressão, não por suicídio. Suspiro de alívio quando vejo que não é Camila. Sei que eu deveria sentir empatia, mas foi uma escolha dela, não minha, Mas que merda? Sinto um arrepio cortar todo meu corpo, quase como um vento me atravessando. Caleb. Olho para cima como por instinto e encontro seu olhar que já estava em mim, da janela do segundo andar ele me olha como se estivesse me analisando, quase que com curiosidade. Será que ele fez alguma coisa com ela? Eu não duvido de nada que tenha o sobrenome de Adkins.

Os enfermeiros cobrem o rosto de Olivia novamente e passam por nós, nos deixando para trás. Os professores começam a nos direcionar para os quartos e uma voz anuncia no interfone que as aulas estão suspensas pelo resto do dia. Avisto Camila no meio da multidão com seu amigo Liam. Não sei o porque de ele ser enviado, mas os rumores são de que o pai não aceitou sua homossexualidade então ele parou de ir para casa e para escola, fujão, mas não tenho certeza.

- Lia! - Camila me chama.

- Camila. - Caminho até ela e a abraço por instinto. - Porra, que susto, eu achei que poderia ser você. Merda. - Passo minhas mãos pelos cabelos.

- Ei, eu tô bem, ok? - Sinto que ela me analisa. - Amélia, tá tudo bem? Você está branca, parece até que viu um fantasma. Deve ser porque eu vi.

Eu tô bem, só não esperava isso agora. - Suspiro.

- Vamos para nosso quarto. Tchau, Liam, te vejo na aula de cerâmica.

Ela agarra meu braço e andamos por algum tempo atravessando o campus. Parece que a aura desse lugar ficou ainda mais pesada, como se fosse possível. Caleb estava lá, na cena do crime, ele fez algo com aquela garota, mas por quê?

- Amélia? - Camila me tira do transe. - O que está acontecendo? - Ela me analisa preocupada. - Ontem você teve um pesadelo daqueles e hoje você está desligada do mundo.

Merda. Camila é muito analista com detalhes e eu estou ajudando muito em sua desconfiança. Na noite passada acordei gritando novamente e quando me sentei na cama o abajur de Camila estava desligado e eu entrei em desespero, comecei a gritar e ela acha que eu ainda estava no pesadelo, mas eu estava acordada. Eu odeio o escuro e meu abajur está queimado, então minha colega de quarto sempre deixa o dela ligado. Ela ficou visivelmente assustada dessa vez, o que me deixa assustada em talvez ela querer trocar de quarto.

- Eu estou bem, não se preocupe. - digo. - É estresse de começo de ano.

- Sei. Quer me contar sobre seu pesadelo? - Ela pede. Camila sempre pede, mas não gosto de contar.

- Só escuro de novo. Um monstro no escuro. - Não estou mentindo, havia um monstro no escuro, mas não como ela pensa.

- Ai, às vezes você parece uma criança. - ela ri.

Eu gosto muito de Camila e sei que ela não me julgaria se eu contasse minha história e meus pesadelos, mas quero poupá-la. Ela é uma pessoa que sofre a dor dos outros e não quero que ela sinta o que eu sinto, pois é horrível. Talvez um dia.

Andamos pelos corredores do dormitório até nosso quarto e entramos, nos jogando na cama. Hoje está mais nublado e frio, então resolvi vestir meu blazer, mas agora tudo parece estar queimando em meu corpo.

- Preciso de um banho. - digo indo para o banheiro.

Perco a noção do tempo que fico debaixo do chuveiro. O enjoo me domina, então acho que hoje vou pular o almoço. Tenho certeza de que essa semana será uma típica varredura sobre como nos sentimos acerca do que aconteceu hoje. Honestamente, senti algo ruim por Olivia, não pena e nem nada nesse sentido, pois a escolha foi dela, mas não consigo parar de me perguntar como as pessoas a sua volta não repararam. Ela estava sofrendo e ninguém reparou nada? Talvez eu fale sobre isso com a psicóloga, contanto que eu não fale sobre mim mesma.

Além da Sua Escuridão - L.S. LouiseOnde histórias criam vida. Descubra agora