Amélia adormeceu chorando, mas eu não consegui dormir mais. Ela gritou tanto, estava visivelmente apavorada.
Deus, o que fizeram com ela?
Estou sentado na cama, a observando dormir, esperando que ela não tenha outro pesadelo. Não sei o que fizeram com ela, mas eu irei descobrir e quando eu descobrir, irei torturar até a morte.
Mel está de costas para mim, minha camisa é larga em volta de seu corpo magro. Passo as mãos em suas costas, sentindo as cicatrizes em sua pele através da camisa. Pela profundidade e cor das marcas, demoraram meses para cicatrizarem e provavelmente foram feitas quando ela era criança.
Que tipo de monstro faria isso com uma criança?
Eu ainda tenho pesadelos com a morte de Ellie, foi um trauma que não deixou cicatrizes visuais, já Mel...
Ela se vira com um gemido e chama meu nome dormindo. Eu sorrio instantaneamente. Eu tenho tanta coisa para descobrir: porque Ellie deixou aquela carta e se não deixou quem foi? Qual foi a verdadeira causa? Ela sofreu muito? Eu poderia tê-la ajudado?
Mel não mentiria para mim, eu acredito nela mas ainda tem algo me incomodando aqui dentro, como se o culpado estivesse perto demais.
- No que está pensando? - Amélia pergunta, de repente, me encarando com aqueles olhos lindos que não se decidem entre castanho e verde, apoiando a cabeça em seu braço.
- Pensando nela... - Não preciso dizer o nome para que ela saiba. - Não consigo parar de pensar no que ouvi no cemitério. - Passo as mãos pelo rosto, respirando fundo.
Lia se levanta e se senta por trás de mim, me abraçando por trás, esse gesto me conforta e ficamos assim por um tempo, cada um perdido em seus próprios pensamentos mas com um mesmo centro: Elliza.
- Ela disse que esperava que ficássemos juntos... - Ela diz, tão baixinho que se minha respiração estivesse um pouco mais alta eu não escutaria.
Eu não pergunto, apenas deixo que continue.
- Ela disse que agora que você me tinha não precisaria mais dela. - Ela continua, ainda muito baixo. - Ela não sabia que era eu quem precisava dela...
Não preciso vê-la para saber que quer chorar, sua voz ficou embargada e ela teve dificuldade de terminar a frase.
- Ellie tinha essa mania. - Digo. - Desde criança ela pensava que o mundo não precisava dela. Mas depois da morte da minha mãe e do meu pai isso piorou demais, era como se ela tivesse parado de ver a vida de modo feliz. - Agora sou eu quem tem dificuldade de falar. - Quando você chegou ela ficou feliz do nada, muito animada e queria aproveitar tudo ao máximo.
Ficamos em silêncio por um tempo, processando a informação de que não poderíamos ter feito nada por ela.
Lia se mexe e puxa algo de seu bolso, um papel. Ela respira fundo, desdobra e começa a falar.
- "Não posso começar essA carta sem dizer o quanto estou felIz por ter te conhecido. Não tive o fim que eu sonhava, mas você fez a morte parecer confortável e segura, Deixei de ter medo pois Agora eu sei que mEu irmão terá alguém para amar. Quando te vi pela primeira vez, Soube imediatamente que você seria minha melhor amiga, nunca abaixava a cabeça mesmo quando eu mesma o Teria feito, sOrria mas escondia algo, ao mesmo tempo. Sei que não tivemos tempo o sUficiente para você me contar mAs espero Que conte a Caleb um dia. - Seus olhos estão cheios de lágrimas e ela respira fundo antes de continuar, a primeira lágrima escorre por se rosto. - "Estou confiando a você o meu maior tesoUro, Mel, por favor, eu imploro, não desista dele. Sei que ele pode ser difícil e cabeça dura, mas ele a ama e eu sei que você também. Cuide de sI, se ame e dê a ele a felicidade que eu não pude dar. Eu te amo e sempre estarei aqui por você. A culpa nunca, jamais será sua. Com todo amor do mundo, Ellie."
Lágrimas escorrem pelo rosto de Amélia, pela saudade, pela dor e pela impotência de não poder ter feito algo para salvar minha irmã. Eu sei pois é pelo mesmo motivo que as lágrimas escorrem pelo meu rosto nesse momento.
- Lia, eu preciso saber. - Começo dizendo. - O que aconteceu com você? Por que você tem tanto medo do escuro? Me conte, por favor. - Dou uma pausa. - Eu sei que você não me contou tudo.
A princípio, penso que ela irá desviar do assunto e ficamos em silêncio, por pelo menos um minuto até que ela começa a falar.
- Meu pai sempre foi tão carinhoso... - Ela começa, falando mais pra si do que para mim, abraçando as pernas e olhando para o nada. - Ele sempre brincava comigo, me ensinou a dirigir e tal. - Uma lágrima solitária deixa seus olhos. - Mas uma época ele parou, simplesmente não era mais tão presente. Sempre no escritório, sempre ocupado demais para mim, e sempre falando sobre dinheiro. Quanto faltava, quanto deveríamos receber e como eu estava em perigo se permanecesse no Japão. Queriam me mandar para morar com um amigo. Ele ficou paranoico e naquela noite eu estava determinada a ajudar de alguma forma... peguei meu porquinho e disse que queria ajudar. Uma criança não entende bem o que essas coisas significam, principalmente quando seu pai deve para a própria máfia. Depois de alguns anos eu entendi que as brincadeiras eram na verdade uma forma de me preparar para o inevitável, eles sabiam que não poderiam pagar a dívida e apenas queriam garantir que eu não soubesse de tudo. - Ela dá uma pausa e suspira profundamente antes de continuar, com a voz embargada e começando a chorar. - Naquela noite, eles invadiram e levaram meus pais para o porão, achando que não havia mais ninguém na casa. Eu deveria estar no esconderijo, mas sai para ligar para a polícia.
"Esse tipo de responsabilidade não deveria cair para uma criança, certo? O homem me pegou, levou para o porão e o comparsa percebeu o que aconteceria comigo. Então ele fugiu. Acho que foi ele quem chamou a polícia. Eu vi minha mãe morta no chão e meu pai tomar um tiro. As cicatrizes que você viu em minhas costas? Uma pequena amostra da tortura que o homem-da-cicatriz me fez passar. Quando a polícia chegou, ele fugiu e me deixou no escuro. Não sei o que aconteceu com ele, mas eu fui para um orfanato. Até hoje quando está escuro, eu escuto os passos dele se aproximando..."
Não consigo esconder minha cara de choque. Ela sofreu tanto... era apenas uma criança. Eu não consigo imaginar tal coisa.
- Me perdoa, Mel. - É tudo o que eu consigo dizer antes de Amélia começar a chorar compulsivamente, alto e dolorido.
Eu a abraço e é nesse momento que eu percebo: eu posso morrer tentando, mas quem fez isso com ela vai sofrer tanto que eu não consigo colocar em palavras.
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Além da Sua Escuridão - L.S. Louise
RomanceAmélia e Caleb cometeram traições imperdoáveis e querem a morte um do outro acima de tudo. Agora que Caleb quer vingança e entrou no Instituto Greenville - uma escola para adolescentes com problemas sociais como agressão, depressão, ansiedade, fugas...