Episódio 7 - Canibalismo

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"Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede não vos consumais também uns aos outros."
-Gálatas 5:15

30 de Abril de 2020 - Manhã

Em algum lugar da caatinga crateuense...

   De repente, acorda num susto, sua primeira visão é deste homem de óculos e cabelos enrolados que ela havia conhecido no dia anterior. Sua memória ia voltando conforme acordava, aos poucos se lembrava do que aconteceu. Este homem era Otávio, aparentemente havia sido enviado para resgatá-la, trabalho esse que havia sido dado a outras pessoas que, obviamente, não deram sinal algum de terem cumprido a missão. Julia usa a mesma roupa que vestia no dia que fora sequestrada, uma calça jeans que chegava até acima de se umbigo, uma camisa preta que encaixava por debaixo da calça e um Alien Star preto.
    — Acordou, flor do dia? São exatamente sete e meia da manhã, consegue me dizer quantos dedos tem aqui na minha mão? - pergunta Otávio, enquanto levanta três dedos da sua mão direita.
   Enquanto tira a mão da frente dos seus olhos, os protegendo da luz solar, sua visão volta a ganhar seu foco. Julia então responde, com um tom meio sarcástico:
    — Hmm... Cinco? Assim, tipo, o Lula tem quatro.
    — Então a japinha manja mesmo dos 'paranauê BR' ? — Otávio pergunta, retoricamente, com um olhar maldoso por detrás dos seus óculos retangulares.
   Ela o encara com um olhar confuso, não consegue entender o que se passa pela sua cabeça, mas, por algum motivo, tinha a sensação de que ele a conhecia com a palma das mãos. Otávio abre os outros dois dedos e estende a mão, na qual Júlia segura e se levanta. Agora que estava de pé, conseguia ver melhor ao seu redor, estava atrás de uma pedra de mais ou menos um metro e trinta de altura, pedra essa que os separava de um penhasco. Tal paisagem era elegante e sedutora, diversas árvores verdes e um ipê-roxo que se destaca entre elas, namorando com lindo juazeiro que não se destaca nem um pouco da vegetação em sua volta. As nuvens estão em minoria, porém, todas estão volumosas e negras, Julia sente que uma enorme tempestade está por vir. Logo, tira sua conclusão:
    — É lindo, não é? Engraçado como o ser humano observa isso e tenta destruir tudo o que vê pela frente.
   Otávio observa a paisagem ao seu lado e a responde:
    — Não vou mentir pra você garota, estou aqui apenas pra quitar um favor de uma amiga minha, não faço a mínima ideia do porquê o presidente se importa tanto contigo.
    — O presidente? Nesse fim de mundo? Não viaja!
   Otávio, praticamente a ignorando, continua seu monólogo.
    — Mas de uma coisa eu tenho ideia, sua compulsão mentirosa me seduz.
   Ambos permanecem em silêncio por uns trinta segundos, observando aquela paisagem. Por algum motivo, Julia não conseguia tirar os olhos do ipê-roxo e do juazeiro, é como se ela tivesse esquecido de algo que não devesse ter esquecido, como se sentisse saudade de algo que sequer existiu, como se estivesse faltando alguma coisa. Otávio finalmente quebra o silêncio:
    — Você não parava de sorrir enquanto dormia, estava acariciando o próprio rosto. Sabe, no meio de tanta desgraça, isso me fez sorrir pela primeira vez em muitos dias. Como você ainda consegue dormir sorrindo em meio a tanto caos?
    — Já teve aquela sensação de saudade? Saudade de algo que não vivemos, como se tivéssemos toda uma vida feliz e, do nada, puoooó, simplesmente tudo se apaga. Eu tive um desses sonhos alegres, mas fico triste por não poder me lembrar do que acontece nele.
   Otávio se senta em cima da pedra e guarda seu óculos na gola de sua camisa.
    — Mas não é disso que vivemos hoje? Tínhamos uma vida meses atrás e, simplesmente do nada, toda essa vida não servia mais de nada, servia apenas como saudade, e uma breve nostalgia daquilo que nunca poderemos viver. — mais trinta segundos de silêncio se passam, novamente, interrompidos por Otávio. — Quem você culpa por todo esse caos pelo mundo?
    — A pessoa que eu culpo... Eu não confio que tenha sido a verdadeira culpada como todos falam.
    — Está me dizendo que Manami Akemi não é o verdadeiro culpado por tudo isso? Mas não é ele o criador do vírus albatroz? — pergunta Otávio.
    — Não é isso, é que, tipo, toda essa história parece tão confusa. Os noticiários culpam Akemi por espalhar uma doença pelo mundo, mas não dão embasamento algum para essa acusação. E aí o Akemi simplesmente desaparece? Cadê o cara? Pra onde ele foi? Ele tá morto? Quem era esse cara de verdade? — questiona enquanto faz gestos com os braços, demonstrando a confusão de suas palavras.
    — Então, se o japonês não é o culpado por tudo isso, então quem é? — questiona Otávio
    — Por favor Otávio, isso simplesmente não importa. — afirma Julia.
   Otávio, sentado em cima da pedra, a encarando de cima para baixo, aponta para Julia com o seu indicador direito e acusa:
    — Mentirosa.

Albatroz: A PragaOnde histórias criam vida. Descubra agora