Episódio 3 - A Relação Entre o Destruidor de Universos e a Identidade Humana

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"Eu bato o portão sem fazer alardeEu levo a carteira de identidadeUma saideira, muita saudadeE a leve impressão de que já vou tarde"
-Chico Buarque

21 de Abril de 2020 - Manhã

   O cheiro de terra tomava conta do ar, era um novo dia nada inovador, acordar em um lugar diferente todo dia com o mesmo risco de morte se tornava algo comum. Kuroi parecia sonhar quase que sonâmbulo, pois se mexia enquanto dormia, uma lágrima cai de seu olho esquerdo e desce por sua bochecha. Ao abrir seus olhos, se senta assustado, percebera que sua lágrima não era a única em seu rosto, estava chovendo e seu rosto ficou encharcado.
   Respirando fundo ele ouve gemidos vindo de sua esquerda, grunhidos de dor tomavam conta da sua audição. Não restavam dúvidas, afinal, o cheiro podre de cadáver tomava conta de seu olfato também. Seu instinto o fez pegar sua katana, que estava posta ao seu lado ainda embainhada, Kuroi se levantou rapidamente sem dificuldade alguma, suas vestes o ajudavam nisso, pois estava apenas de calça com nada atrapalhando seu busto. Desembainhou sua catana e foi em direção ao cadáver ambulante e levou um susto, o albatroz já estava basicamente em cima do Jonas, se preparando para lhe dar uma mordida. De repente:
    POW! POW! POW!
   O mesmo levou três tiros, dois no peito e um na cabeça, o morto cai morto no chão, Jonas o matou com a pistola que deveria estar com Kuroi, ele rapidamente se levantou em estado de alerta. Com a adrenalina a flor da pele, os dois se encaram com um olhar assustado, ambos completamente molhados por conta da chuva, não conseguiam definir o horário num momento como esses, mas algo pior estava por vir. Ao olharem em volta, em meio a toda a névoa, uns quatro saíam do fundo do lago e caminhavam na direção deles, prestando melhor atenção, do outro lado do lago, que dá na rodovia, havia uma gigante horda deles, alguns estavam dando a volta pela costa, mas boa parte vinha pelo caminho mais "direto", que era nadar de uma ponta para a outra.
   Percebendo o que estava acontecendo, os dois pegaram suas coisas o mais rápido que podiam, Kuroi colocou suas vestes despidas e molhadas na mochila, embainhou sua katana e começou a preparar a bicicleta.
    — Puta merda anda logo Jonas! — exclamou Kuroi.
   Jonas estava muito assustado com aquela quantidade de albatrozes, mas ao ouvir Kuroi acordou pra vida e subiu na traseira da bicicleta. Uma Monark é uma bicicleta barra circular , ela possui uma parte traseira feita para levar objetos em caixas, mas também pode ser usada para carregar uma pessoa, assim como Kuroi pretende fazer com Jonas, que pergunta:
    — Mas Kuroi, não seria melhor se-
    — Anda logo porra! Tu quer virar papinha de andarilho morto caralho?!
   Jonas rapidamente senta na traseira da bicicleta, que em velocidade baixa parte pela mata, o objetivo é, aparentemente, chegar na rodovia, então Kuroi pedala perto da costa do lago, perto de onde alguns dos mortos-vivos saíam. Enquanto pedala, agora com velocidade, rente ao lago, alguns dos albatrozes se jogavam em direção a eles, mas os esforços de Kuroi não eram em vão, tinha dificuldades por conta de sua perna esquerda mas não eixava esse fato lhe abalar, continuaram pedalando em direção à rodovia. Mas em certo momento chegariam próximos a grande quantidade que estava dando uma volta pelo lago. Jonas preparou a escopeta para caso algo pior viesse a acontecer, mas Kuroi conseguiu pedalar em direção a uma trilha em meio a mata. O que dificultava pedalar nessa trilha era a terra que estava molhada, havia um certo risco de que eles acabassem derrapando.
   Jonas conseguia ver que de muito longe vinham eles, mas Kuroi já havia pedalado o suficiente. Kuroi se encontrava quase acabado, já pedalava por tempo demais, estava cansado, mas em sua frente estava a luz no fim do túnel.
    — Conseguimos! Jonas, a gente conseguiu mermão! — comemorou enquanto apontava pra sua frente.
   Jonas conseguiu ver o motivo de tamanha felicidade, era o fim da trilha que dava exatamente pra rodovia. Quando chegou na subida a velocidade da bicicleta logo começou a diminuir, Jonas desceu da traseira e pediu:
    — Aí, deixa eu pedalar pra você.
    — Tem certeza?
    — Claro, senta aí atrás.
   Kuroi desce da bicicleta e a leva para a rodovia, Jonas toma seu lugar enquanto ele se senta na traseira. Agora que o sangue esfriou e que podia descansar, Kuroi começou a prestar atenção no quão forte estava a chuva, podia ver trovões e raios no horizonte, tudo em sua volta era meio ofuscado por uma névoa não muito densa, mas olhando pra trás ele viu algo que o deixou ainda mais assustado, a horda de mortos-vivos, aquela quantidade era absurda, com certeza havia ao menos centenas deles ali, uns duzentos ou trezentos, podia ter mais que isso já que sua visão não era muito vantajosa naquele momento. Mas não deixou aquela visão o abalar, agora estava seguro, só precisava seguir a estrada o mais longe possível dali.

Albatroz: A PragaOnde histórias criam vida. Descubra agora