Capitulo 5

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Meu coração naquela manhã parecia pesar mais do que todo o meu corpo, um nó se formava em minha garganta.

Assim que me levantei da cama e me sentei de frente para a cela, suspirei, pensando em quantos prisioneiros já dormiram naquela mesma cama, sentaram-se naquele mesmo chão. Também me perguntei se em algum único momento se lamentaram por suas vidas, ou apenas aceitaram a morte, sem lutar.
Todos esses pensamentos foram interrompidos assim que a bandeja de metal fora deixada no chão, fazendo um barulho ecoar. Percebi que a bandeja não era para mim, e sim, para Henrique.
Encarei o guarda. Um dia Henrique recebia comida, e no outro eu não recebia?

— Ordens são ordens, pequena Agatha! —O guarda riu.

— Esse apelido foi a melhor piada que Vossa Majestade já criara! —Dessa vez uma voz distante, disse.

Antes que eu pudesse xingar, ou simplesmente deixar qualquer onda de poder tomar conta de mim, Henrique pigarreou.

— Pensamentos são bem mais valiosos aqui. Qualquer palavra ou movimento define quanto tempo de vida ainda lhe resta.

Não era mentira, já que cada minuto naquela cela era dividido entre vida e morte.

— Eu te prometo, Henrique! Irei nos salvar. – Falei, observando-o pegar uma maçã e a cortar com uma adaga. – Onde andou escondendo isso?

Ele percebeu que meus olhos estavam fixos no objeto cortante em suas mãos.

— Simples. —Ele me ofereceu a outra metade da maçã e eu apenas aceitei. – Escondi debaixo da madeira da cama. Mas essa adaga não é minha, já estava aqui quando cheguei, apenas tive que achar um esconderijo.

Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, ouvi passos descendo as escadas acima das celas, Henrique logo escondeu a adaga e voltou a comer como se não me conhecesse. Joguei o pedaço de maçã para longe.
Medo como eu nunca sentira me engoliu por inteiro quando a porta da cela se abriu e o rei disse que a minha vez havia chegado. Não sabia o que ele queria dizer; a minha morte ou seus experimentos.
                          
                            [...]

O cômodo era um pouco maior do que a sala do trono. A iluminação era ótima, fazendo com que meus olhos ardessem, meu olhar pairou sob a maca no centro da sala, uma pequena mesinha com injeções e uma cadeira. Não poderia ser tão ruim, tentei convencer a mim mesma.

O rei não havia me dirigido uma sequer palavra, apenas fez um sinal com a mão para que eu me deitasse. Assim que meu corpo se encaixou por completo na maca, amarras fortes prenderam meus braços e pernas, dessa vez não era um jogo de ilusão, era real.

O rei caminhou em minha direção e me fitou.

— Já lhe adianto que não adiantará gritar, Agatha. —Olhei para suas mãos, agora envolvidas por luvas cirúrgicas. – Ninguém poderá ouvi-la, pequena Agatha...ninguém.

Não deixei nenhuma emoção transparecer, a melhor opção no momento seria ficar quieta. Foi o que fiz.

A injeção foi aplicada em minha veia, uma forte dor tomou conta de todo o meu corpo, em seguida apenas um apagão.
                                                                                                
                              [...]

Acordei, com o rosto de Zion em minha frente inexpressivo. Ainda estava na mesma sala, porém, o rei não estava. É uma ilusão, Agatha, pensei.

— Finalmente acordou, está dormindo há algumas horas. – Disse Zion. As amarras que estavam em meus braços e pernas, sumiram. – Vossa Majestade pediu para que eu ficasse aqui, mas já é madrugada, e sinceramente estou cansado.

Não acreditei no que ouvi. Respirei fundo e tentei me levantar, meu corpo estava tão mole que minhas pernas não alcançariam o chão sozinha. Zion logo percebeu e veio me ajudar. Passou um de seus braços em volta de mim e me segurou firme.

Apoiei as mãos na maca para conseguir ficar de pé.

— Não preciso de sua ajuda! —Falei.
— Eu entendo que esteja brava comigo. Mas eu não fiz nada...—Começou Zion, enquanto se afastava de mim. Ele se referia ao alarme de "inimigo a solta". – Muitas pessoas viram você chegar até minha casa. Não posso ser seu único suspeito.  Estou te ajudando, Agatha, você precisa entender.

Senti meus joelhos ficarem fracos devido aos experimentos.

— A única coisa que eu estou começando a entender é, o quanto você se importa com o seu trabalho. —Disparei.  – Se você realmente me ama, como diz, deveria ter corrido atrás de mim assim que o alarme soou, mas, a única coisa que fez foi correr até o palácio. Não queria ser visto comigo? Não queria que soubessem que aquela é a sua casa, e eu também morava nela? Eu realmente não consigo te entender.

Zion fica em silêncio, sem acreditar em minhas palavras. Ele enterra as mãos em seu cabelo. O silêncio já bastava. Nada que falasse seria justificável o bastante.

— Sabe qual o meu maior medo? —Foi tudo o que ele me respondeu. Olhei atentamente para ele. — Terminar como você! Nunca quero acabar como um fugitivo, muito menos como traidor. Eu estou fazendo meu futuro, minhas escolhas. Você já fez as suas.

Meus olhos encontraram os de Zion, fúria definia exatamente o que ambos sentiam.

— Sua escolha é servir a alguém que não serve o próprio reino, a minha é justamente o contrário. Quero libertar todos que vivem nesse lugar, que já morreram implorando pela própria vida, ou pela vida de outros.

— É assim que as coisas funcionam, Agatha. Uma vida em troca de outra. Se sua mãe não morresse, seria você. Talvez você só seja ingênua o bastante para entender. Ainda vai precisar de minha ajuda... —Zion colocou as mãos no bolso, convencido daquela ideia.

Eu não preciso de sua ajuda. —Falei, tentando me convencer do mesmo. Talvez eu precisasse, mas eu não queria. Meu corpo deslizou até o chão, eu estava cada vez mais fraca.

Zion observou cada movimento que eu fazia para tentar me levantar, mesmo sem sucesso.

— Já que não precisa de minha ajuda, poderá se direcionar até a cela sozinha. — Ele disse, enquanto tirava as mãos do bolso.

Qualquer último fio de esperança que havia entre nós dois, rompeu-se e morreu quando Zion passou pela porta, e me deixou rastejando pelo chão. Ali estava eu lutando por alguma força.
Olhei para minha mão, e tirei o pedaço de pano que envolvia a cicatriz. Ela não brilhava. Não pode me abandonar, não agora, pensei. Mas nada adiantou.

Eu sabia que ainda existia poderes em mim, só não sabia como usá-los.
Rastejei mais um pouco e a pequena mesinha com as injeções caiu.  Porém, o que estava em minha frente não era nenhum tipo de injeção, apenas um pequeno chip dourado. Verifiquei melhor, era um chip de acesso a lugares como aquele. Consequentemente dava acesso as celas.

Escondi-o rapidamente na manga da camisa e continuei a rastejar, só que dessa vez, até a porta. Fiz o maior esforço que pude e meu braço encontrou o pequeno quadrado em que o chip era encaixado. Eu estava livre daquela sala.

Agarrei a porta e fiquei de pé. Andei até a cela me segurando nas paredes. Para minha sorte, nenhum guarda estava de vigia naquele horário. Assim que entrei e destranquei a cela, senti alívio.

A primeira parte do meu plano de fuga estava em minhas mãos.




De fogo e Ruínas (Uma vida em troca de outra)Onde histórias criam vida. Descubra agora