1. Helena

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Todos os dias, a mesma pergunta martelava na minha cabeça: e se eu tivesse escutado meus pais? Se tivesse colocado os estudos em primeiro lugar? Talvez não estaria aqui, sendo uma empregada no meu próprio lar, mãe de um homem adulto. Eu realmente enxerguei um futuro diferente quando me juntei a ele. Não que eu seja uma mulher interesseira, mas precisava de uma vida de luxo, depois de ser maltratada por vinte e cinco anos.

A sala estava silenciosa, e reparei em Silan dormindo com sua boca em meus mamilos. Suspirei aliviada — por vezes chega a ser um alívio para nós mães. Com todo cuidado, coloquei ele em seu berço, torcendo para que ele não acordasse. Silan se assusta com qualquer ruído, e é difícil fazê-lo dormir novamente. Fechei a porta com cuidado e desci as escadas, com Wilter na minha mente. Não sabia se devia ficar aliviada ou preocupada. Mais de treze horas sem nenhuma notícia, ligação ou... sei lá... mensagem.

Não tive tempo de pegar no celular, pois ouvi o som de chaves e logo a porta foi aberta. Maldita hora. Deixei tudo que estava prestes a fazer e fui até ele com um sorriso nos lábios, pronta para o beijar. Mas Wilter continuava com a mesma cara de hoje cedo: a cara de bosta. Juntei nossos lábios após um "Boa noite, meu marido", que na verdade não fez questão de corresponder.

— Silan está dormindo? — perguntou, jogando seu terno na minha cara. Sorte que eu sou bastante rápida.

— Sim, acabei de colocar ele no berço. — respondi, pegando seus sapatos e o seguindo. — Quer que eu sirva você?

— Não, estou cansado. Vou deitar, falamos amanhã, é importante.

Se é importante, por que não falar agora?

Idiota.

Idiota.

Nem esperou pela minha resposta, nem sequer um beijo de boa noite deu em mim. Ouvi seus passos subindo as escadas e desaparecendo diretamente. Olhei para a mesa, que eu demorei muito para embelezar, demorei muito mesmo. Bufei irritada e guardei o que estava em minhas mãos.
É sério, eu realmente tento entender ele, entender todos os seus sintomas de bipolaridade, mas parece que não consigo. Três anos não foram o suficiente para o entender. Três anos.

Arrumo a mesa bocejando várias vezes que pegava um prato. Quando terminei, desliguei todas as luzes e verifiquei todas as portas. Este tem sido meu trauma depois dos nossos dois últimos assaltos seguidos. Eu oro a Deus todos os dias para este lar não ser invadido por mais nenhum canalha faminto.

Pela minha surpresa, Wilter ainda estava mexendo no seu celular, e não olhou para mim mesmo com o barulho da porta. Vesti meu pijama, e nada. Nenhum olhar. Coloquei meu celular na cômoda e revirei os olhos. Não aguento tanto silêncio.

— O que aconteceu? — quebrei o silêncio. — Estás estranho, Wilter. Tens alguma coisa para me dizer?

Silêncio.

— Um amigo meu acabou de perder a sua mulher. — disse seco, sem qualquer emoção nas palavras.

— Eu sinto muito, e como ele está?

Que burra. Como ele estaria? Foda-se.

— Merda de pergunta é está, Helena?

— Perdão... e, o que pretendes fazer?

— Não pretendo, já o fiz. — desta vez, ouve sentimento nas suas palavras. — Ele vai ficar connosco até recuperar.

Não consegui falar nada, praticamente não ia mudar nada. Desligou o abajur, e o quarto escureceu. Ainda sentada, tentei processar. Que amigo é este? Com que doença ela bateu as portas?


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