Em casa, tentei resolver tudo o que eu podia resolver ao máximo. Não tirei minha farda porque imaginei que poderiam me chamar novamente, já que comando o batalhão, mas não insisti em continuar naquele ambiente, já que em todos os meus 21 anos de serviços prestados, nunca me senti tão humilhado e envergonhado como quando o Coronel fez.
Dentre as coisas que eu tinha que resolver, era um plano B para a correção do problema gerado pela equipe. Liguei para a delegacia principal próxima do morro, e propus um plano: uma operação em parceria com a nossa unidade para tentar conter os tiroteios por meio de intervenções planejadas.
A ideia agradou o Major Rocha, capitão da polícia e chefe do quartel, e ele comunicou meu chefe, que aprovou o projeto. Posteriormente, nos foi comunicado que de tarde prosseguiríamos com a operação, sem data definida para acabar.
[...]
Dentro do Caveirão (apelido do carro especializado para o transporte de homens), em pé, retomo comandos para o grupo.
- Não se esqueçam de ficar atentos a qualquer sinal diferente. Os moradores já estão sendo orientados pela polícia local, mas ninguém aqui é imbecil, e sabe que aqui no Jacarezinho ninguém tá de brincadeira. E se eu SOUBER que qualquer detalhe passou despercebido ou que alguma informação não foi reportada, eu faço questão de punir algum filho da puta que vai foder nosso esquema.
A velocidade do veículo vai se diminuindo, dando sinal que estamos chegando no local combinado do início da operação. Fiquei tão focado dando discurso e orientação pros cabos que nem olhei pela janela as ruas.
Um sargento abre as portas do carro, e desço na frente, segurando fuzil, olhando em atividade pelos arredores.
Verificando que não havia nada de mal, fui conversar com os policiais que estavam de pé próximo á faixa que fechava a rua. Um deles se dirigiu pra mim.
- Capitão Nascimento. - Estendeu sua mão, e aperto, como sinal de educação. - Sou Capitão Alves, tô comandando a operação.
Atirou a flecha errado, amigo. Feriu um pouco o meu ego. Tiro minha mão de sua palma.
- Muito gratificante seu esforço, Capitão. Mas a partir de agora eu comando a operação, afinal, eu que propus ela.
Noto a intimidação do homem, que em resposta, me obedeceu, fazendo continência. Faço um gesto corporal de agradecimento.
- Vamos ao que interessa. Conseguiram alguma informação relevante? - Pergunto aos policiais.
- Fomos interrogando de casa em casa dessa rua especificamente, uma moradora denunciou uma atividade suspeita a alguns metros daqui, quando voltava para casa do mercado. - Respondeu o Capitão.
- Podemos ir lá?
- Claro. Vamos ficar por aqui fazendo ronda, enquanto isso. - Diz um dos policiais ali.
- Certamente, alguém precisa mostrar o caminho até o mercado. Eu posso fazer isso. - Disse Alves.
Viro para os poucos homens que estavam comigo.
- Me sigam!
Começamos a andar, em direção até um suposto mercadinho simples que havia ali perto, onde fora denunciado.
Chegando lá, observo que há um pequeno beco. Me aproximo com cautela, encostado pela parede, e com uma leve pausa de precaução, me viro apontando o fuzil na minha frente. Há três jovens com uns saquinhos de drogas nas mãos.
- ACABOU! ACABOU!
Eles se assustam, e começam a correr subindo o beco. Ordeno a tropa a ir atrás deles, e consigo pegar um. O algemo.
- Perdeu tudo, vagabundo de merda.
Com meu walkie talkie, peço ajuda da polícia para levar os rapazes para a delegacia, em flagrante de venda de cocaína. Com a ajuda de um colega, levo o rapaz até os policiais que encontramos, para encaminharem uma viatura. Tenho certeza que meus homens pegaram os outros moleques.
Entrego o infrator para outro policial, a viatura solicitada já está na nossa frente. Perambulo pouco ao redor do meu chão, penso nos meus homens. Olho para a minha esquerda, que via até o final da pequena rua fechada - vejo o resto da equipe voltando com os outros dois rapazes, e então fico despreocupado com o serviço.
Então, olho pra a minha direita e percebo que há uma moça sentada no ponto de ônibus, que não estava lá na hora que cheguei - já que logo que cheguei aqui, verifiquei o que havia ao redor e não tinha visto ela. Subindo meu olhar para seu rosto, fico surpreso ao reconhecer Cibelle, apenas ali sentada, bem calma.
Nossos olhos se encontram. Com 40 anos nas costas: já namorei, já transei, já me casei, já tive filho, já mudei de casa, fiz um monte de coisa, e justo agora, quando tenho contato visual com a garota que eu tive um sexo casual no banheiro de uma balada, eu vou sentir frio na barriga? 'Que que é isso, Roberto?
Um sorriso tímido transborda seu rosto, e me faz querer sorrir também. Mas... por algum motivo eu não consigo. Fico ali, igual um tonto, olhando pra ela. Sem jeito com a situação - afinal, além desse meu estranhamento, estou no meio do trabalho, não posso simplesmente ir falar com ela, e principalmente na frente dos meus colegas.
Sem saber muito o que fazer, olho pro lado, disfarçando, e a olho novamente, mas dessa vez por menos tempo.
- Capitão!!
Levo um susto com a altura que o recruta me chama e tira minha atenção de Cibelle, e os homens me olham assustados, talvez chocados pela minha reação improvável.
- Ham... VAMOS! - Respondo em entonação maior do que a do rapaz, e ando em direção às portas do caveirão, abro-as. - Entrem. Nosso trabalho acabou por aqui hoje.
Depois que dou esse comando e os meus homens começam a subir no carro, olho para Cibelle, que já não está mais olhando para mim, mas sim para seu celular. Nisso, o ônibus chega e para em frente a nós dois. Vejo ela entrando no ônibus, se sentando em um lugar na janela, e antes do ônibus partir, ela me olhou novamente, com um rosto misterioso - já não estava sorrindo a um tempo. Entro no carro, que dá a partida com a intenção de voltar para o quartel.
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⊹ ࣪ ˖. .ᐟ𝑪𝒆𝒎 𝑪𝒉𝒂𝒏𝒄𝒆 ִ ࣪𝜗𝜚 - Capitão Nascimento
FanficCibelle é uma estudante universitária residente no Rio de Janeiro, estagiando em comunidades da cidade com a saúde pública negligenciada pelo Estado. Claramente, não é o lugar mais seguro do mundo para se trabalhar. O crime, o tráfico, a violência...