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Ao todo, foram três dias de internação, com muitos exames e o constante medo de descobrirem repentinamente alguma lesão até então oculta pelo "acidente." Também entraram no consenso de chamar o ocorrido com Cassie de "acidente", não por vergonha, mas para preservar a garota de mais chuvas de perguntas.

Ainda no hospital, o psiquiatra teve uma conversa franca com a mais velha. Não podia prometer que Cassie estava absolutamente fora de risco, para além do histórico complicado, haviam os dois traumas recentes que levaram a garota para aquele quarto: A violência sexual e a tentativa de suicídio.

Não seria fácil passar por aquilo, mas ela se comprometeu a seguir com o acompanhamento psicológico, ainda estava de certa forma em choque, mas com sinais de alguma melhora.

Mia não retornou para sua casa nenhuma vez se quer, suas saídas eram rápidas e geralmente para urgências como mercado e farmácia. Não que ela se orgulhasse dos três dias sem banho, mas sua cabeça estava em milhares de lugares e preocupações diferentes.

Durante aqueles dias, Christopher foi ao apartamento para deixar as coisas em ordem, claro que com a ajuda de Olivia, que estava morta de preocupação. Garantiam que Andy estivesse alimentado, guardaram os tapetes da sala de estar para desobstruir a passagem, deixaram os armários abastecidos. Liv também decidiu comprar um vaso de flores bonito, onde colocou as rosas que Huang havia ganhado de presente no dia do evento.

O Sturniolo pensava que não se imaginara ainda fazendo tudo isso por alguém que não fossem seus pais ou irmãos. Enquanto misturava um pouco de água morna no patê matinal de Andy, refletiu como era óbvio que amava Mia, mas também nunca havia chegado a falar isso para ela.

Era inicio da tarde quando ele preparou o carro de Mia para receber a irmã e sua cadeira de rodas, que a acompanharia por mais algum período. Esperou na recepção do hospital, enquanto as meninas terminavam de assinar papéis, estava um pouco constrangido em ficar de penetra naquela situação.

- Tudo bem, vamos pra casa. - A mais velha deu um sorriso sem mostrar os dentes enquanto empurrava Cassie na cadeira de rodas.

- Oi Chris, bom te ver. - A voz sem graça da garota saiu em cumprimento.

- Bom te ver também, Cassie. - Ele também sorriu de volta, carregando a bolsa de Mia e voltando-se para ela. - Tentei deixar as coisas o mais organizadas possível.

- Está ótimo, não se preocupa.

Nem havia visto ainda, mas sabia que ele tinha dado o seu melhor naquele tempo, era bom ter alguém com quem contar. Já tinha feito um facetime com Liv, Nick e Matt também, para tentar tranquiliza-los e agradecer o apoio.

O caminho foi longo e silencioso se não fosse a música no rádio, com Cassie no banco de trás observando o céu que finalmente voltara a ser azul naquele dia. Ainda tinha o efeito dos remédios e sentia-se um pouco sonolenta.

No banco da frente, Mia cantarolava baixinho acompanhando Hozier em Unknown. Chris esticou o braço apenas para acariciar a orelha dela, causando uma risadinha. Por meio segundo, até esqueceu que não estavam sozinhos.

Quando já estavam dentro do garagem, o Sturniolo encarregou-se outra vez por ajudar a tirar Cassie de dentro do carro, num misto de vergonha e cavalheirismo, falando "Licença" duas vezes antes de tocá-la, delicado como se ela fosse quebrar em partes ali mesmo. Mia deu um riso discreto, porque essa provavelmente era a interação mais próxima que ele e a irmã tiveram em toda vida.

- Obrigada, Chris. - Ela bufou, meio frustrada por perceber que estava na cadeira de rodas outra vez. - Inclusive, gostei do cabelo novo.

- Ah, valeu. - Ele sorriu igual criança como devolutiva. - Tá bem, vou só levar essas coisas pra cima e deixar vocês em paz.

- Você não descansa a dias também, vou ligar pro Matt pra saber se você vai pra casa dormir ou ficar jogando video game. - Mia arqueou a sobrancelha enquanto caminhava um pouco a frente, empurrando a cadeira na direção do elevador.

- Tá bom, mamãe. - Ele rolou os olhos, mas ao se dar conta da frase, também ficou sem graça. - Nossa, ficou péssimo.

- Ficou mesmo. - Cassie riu baixinho, enquanto a mais velha dava uma gargalhada sincera.

Mentalmente, Mia considerada as bobagens de Christopher uma benção, porque sabia que os primeiros dias sozinha apenas com a irmã mais nova seriam tortuosamente silenciosos e esquisitos. Quanto mais tempo para Chris falar alguma gafe de duplo sentido que descontraísse aquele clima de dúvida e insegurança, melhor.

O garoto abriu a porta do apartamento e fez sinal para que as meninas entrassem. Cassie observava curiosa, por muito tempo de perguntou como devia ser a vida nova de Mia.

Claro, ela já havia stalkeado suas redes sociais, mas conhecia apenas vislumbres daquele lugar, de quem era Mia Huang realmente. Apesar das circunstâncias horríveis, parte de si sentia certa alegria em poder descobrir mais. 

Já a mais velha, sentiu brilho nos olhos ao ver quão bem organizado estava aquele espaço. Haviam mudado alguns móveis de lugar, puxado os assentos do sofá e o arrumado como uma confortável cama.

Entretanto o que mais chamou atenção dela, foi um quadro de moldura verde musgo, não muito grande. Nele, havia uma foto de Olivia, Chris, Matt e Nick, podia ver o pôr do sol na pequena sacada ao fundo e letras recortadas de revista diziam "Nós Amamos Você."

- Nós pensamos que pode ficar mais fácil se a Cassie dormir no sofá, porque tem menos obstáculos até o banheiro, principalmente durante a noite, mas vocês podem mudar caso tenham uma ideia melhor. - Christopher explicava ansioso. - E nós compramos comida... tipo, de verdade, mas tem umas besteiras também, porque vocês merecem.

- Tá tudo ótimo, perfeito. - Ela sorriu. - Muito obrigada, sério.

- Sinto muito por dar trabalho, mas obrigada por se preocuparem comigo também. - Cassie falou sem jeito.

Toda vez que ela demonstrava essa culpa, Mia sentia parte de si quebrar. Como as coisas haviam chegado naquele aquele ponto?

- Vocês não precisam agradecer, apenas, descansar. - Chris sorriu cúmplice para ambas, com o bônus de uma rápida massagem nos ombros da mais velha.

E após certificar de que tudo estava em ordem, ele decidiu que devia deixá-las sozinhas, porque por mais que quisesse consertar a rachadura que havia entre elas também, não era tão simples quanto mover móveis ou gentilezas do tipo.

Ajudaram Cassie a sentar no sofá macio e Mia disse que voltaria em cinco minutos. Claro que delongaram também um pouco do tempo no elevador parado, mas não podiam mais fugir da situação inevitável. Christopher foi embora, Matt decidiu lhe dar uma carona e aproveitar para dar um abraço na amiga, se ofereceu inclusive para servir de Uber no que precisasse.

De volta a caixa metálica que subia com os clássicos rangidos que deixaram de ser apavorantes a tempo, Huang olhou-se no espelho e tentou respirar fundo, só desejando que os próximos dias, semanas, meses ou anos, fossem o mais pacíficos possíveis.

Tornou a voltar ao apartamento, abrindo a porta devagar e percebendo Cassie sentada exatamente onde havia sido deixada, vendo algum noticiário sem graça na televisão.

Mia sabia que precisava trata-la com normalidade, que facilitaria para que ela também se sentisse parte do mundo outra vez, mas parecia tão complicado quando tudo entre elas sempre fôra engessado, censurado e lotado em desconfiança.

- Você tá afim de comer algo? - Ela pigarreou após segundos de silêncio.

- Não, tá tudo bem. - A mais nova tirou os olhos da tevê. - Pode ir tomar um banho, tirar um cochilo, não se preocupe comigo.

- Qualquer coisa, é só chamar. - Mia reforçou.

Cassie deu uma risada sincera e tímida.

- Ele é um cara legal... Ou pelo menos, se tornou um. - Disse com simplicidade. - Fico feliz que ele esteja te fazendo feliz, eu sabia que vocês ainda iriam se entender.

Ela não sabia bem o que responder, então apenas sorriu pequeno, fazendo sinal positivo com a cabeça antes de ir em direção ao banheiro, no desejo latente de um bom banho.

Também estava feliz, percebia agora que, as vezes, lares são pessoas.

model | chris sturnioloOnde histórias criam vida. Descubra agora