Febre

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🌷 Mei Lee's POV

Minha escola precisava de reformas há tempos, mas por algum motivo os membros da direção perceberam só recentemente. Abby me mandou uma mensagem cheia de emojis felizes anunciando que faríamos uma gincana para arrecadar dinheiro e, finalmente, reformar os armários enferrujados e substituir as mesas dos alunos. Acabei faltando a escola devido a uma febre terrível, que eu obviamente peguei após andar na chuva fria vestida com roupas de verão. Maldita Riley...

Deitada na minha cama, puxei os lenços umedecidos de dentro da caixinha que minha mãe havia deixado ao meu lado e assoei o nariz pela milésima vez. Toda vez que eu sujava as mãos, ia direto no banheiro lavar com água e sabão. Dessa vez eu só limpei o catarro embaixo da coberta, sem paciência.
Tive sorte que, no dia que voltei da casa de Riley (Não cheguei a entrar, mas dá para considerar, não?) minha mãe estava passando por um momento de introspecção na sala de meditação, diante das estátuas e imagens dos nossos ancestrais. Eu me apressei em jogar as roupas molhadas na máquina de lavar, embaixo das que já estavam lá. Tomei um banho rápido e tive tempo até de secar os cabelos com o secador, porém já era tarde demais. Meu rosto estava quente, mas eu estava ficando com frio. Minha mãe iria desconfiar, então andei de pé descalço propositalmente pela casa para ela colocar a culpa nisso.

- Quer andar por aí sem uma meia! Sem um sapato! Claro que vai se resfriar! - ela disse assim que me viu.
Ela não viu, mas eu havia soltado um suspiro aliviado. De volta ao presente, em meu quarto, ouvi batidinhas na porta. Priya e Miriam estavam lá e correram para me abraçar.

- Como foi que você ficou doente? Você nunca fica doente! - disse Miriam, e era meio verdade. Meu sistema imunológico estava uma porcaria nesses últimos dias.

- Ela deve ter cantado na chuva igual àquele cara do musical. - brincou Priya. Mal sabia ela que, em partes, estaria certa.

Minha mãe não permitiu que ficassem muito tempo porque, segundo ela, as meninas trariam bactérias da rua para o quarto. Priya havia trazido um jogo de cartas, que jogamos apenas três partidas e depois paramos para conversar. Miriam trouxe muitas ideias para a nossa gincana, dizendo que outras escolas estavam pegando o embalo da coisa e pedindo permissão para participar. Nosso diretor queria fazer só com nossa escola para juntar o dinheiro necessário das reformas, mas a turma vencedora teria chance de competir com as outras escolas. Era um evento bastante divertido, embora fosse um plano repentino até que as pessoas pareciam animadas. Até resolvi imprimir alguns adesivos para sugerir ideias para o tema da gincana, as meninas me ajudaram a recortar alguns e então minha mãe as expulsou com seu jeito nada sutil.

Agora que eu e Riley estávamos de boa uma com a outra, mandei mensagem para ela contando da gincana. Também contei sobre meu dia e que as meninas haviam vindo em minha casa para trazer sopa e para falar sobre nosso tema. Riley questionou o fato de eu não ter ido à aula, e contei a ela.

Minha cabeça estava latejando e senti as pálpebras pesarem, então soltei o celular e tirei um cochilo de uma hora e meia. Acordei com batidinhas na minha janela. Meio sonolenta, esfreguei os olhos e tentei identificar o que estava do outro lado do vidro.

Para minha surpresa, era Riley.

🏑 Riley's POV

Naquele dia em que vi Meg, fiquei realmente abalada. Foi sorte minha ter encontrado a ruiva em meio ao caos, acho que se não fosse isso o meu surto teria sido bem pior. A presença dela me confortava demais, como sentar em uma poltrona bem fofinha e assistir seu desenho preferido de infância. Tentei cozinhar a janta para os meus pais, já que não levei as coisas do café que minha mãe tinha pedido. Lembro de confundir o sal com o açúcar, e o arroz branco acabou virando um arroz doce com leite condensado. Meus pais riram, mas foi uma boa janta no final de contas.

No dia seguinte, tive medo de chegar perto de Valentina. Esperei que ela viesse e determinasse o modo que eu deveria agir. Ela me cumprimentou sorrindo, cuspiu algumas ordens durante o treino e depois se despediu de mim com dois beijos na bochecha. Ao menos ela havia se desculpado por não me dar muita atenção, mas disse que explicaria tudo na escola.

Entretanto, na escola não foi muito diferente. Passamos todo o tempo juntas, porém ela ainda parecia meio distante. Arrisquei um movimento e segurei sua mão, e ela não se afastou. Aquilo me trouxe muito alívio, mas então ela foi até nossa amiga em comum e segurou a mão dela também.

- Valentina.

Antes de irmos embora, eu a chamei para conversar.

- Que merda é essa? Estamos juntas ou não?

- Bem, não. Foi só um beijo né? Mas não significa que não possamos mudar isso...

Valentina segurou o meu rosto e deu um beijinho no meu nariz.

- Pode me pedir em namoro quando quiser. Mas eu quero algo bem romântico!

- Por que eu? - perguntei. Não estava ofendida, mas fiquei nervosa com a ideia.

- Ah sei lá. Eu é que não vou ficar de joelhos né?

Ela riu, e me perdi em sua risada. Segurei as alças da minha mochila e fui andando para casa com um sorriso bobo, até receber as mensagens de Mei. Só pra não parecer desesperada demais, fui em casa tomar um banho e comer alguma coisa na companhia dos meus pais. Mais tarde, avisei que iria sair e fui até a casa da Mei.

...

Suas bochechas estavam ainda mais vermelhas, a boca carnuda estava um pouco seca e seus olhos quase fechavam a cada dois segundos, as pequenas mãos tremiam. Eu as segurei firme, preocupada.

- Por que você foi andar na chuva igual uma maluca? - eu a repreendi.

- Eu precisava muito consertar as coisas entre nós. - ela disse, e afundou o rosto em meu peito. - Estou feliz que você veio...

Eu a abracei, tentando acalmar os batimentos do meu coração para que ela não ouvisse que estavam acelerados demais.

- Mas por que não entrou pela porta da frente? Minha mãe vai te matar se ver você. - Mei disse, se afastando e indo até uma caneca com água que estava em sua mesa de cabeceira. Ela bebeu vários goles, deixando escorrer um pouco em seu queixo. Mei limpou a boca com as costas da mão e seguiu falando.

- Não é nada demais, é só um resfriado.

- Você está com febre. Está tomando os remédios direitinho? Ah, e nada de doces por um tempo!

- Está vendo algum doce aqui?

- Você pode estar escondendo. Até da sua mãe.

- Eu só estou vivendo a base de água e sopa. Eu juro solenemente.

Tirei meu casaco e afundei a ponta do capuz na caneca de água. Fiz Mei deitar na cama e encostei o tecido molhado em sua testa.

- Que frio! - ela reclamou, com uma expressão dengosa.

- É para o seu bem. Seu corpo precisa resfriar para curar. Não pode nem usar essa coberta grossa.

- Você é chata. - ela disse, fazendo beicinho. - Você não me disse por que não veio pela porta da frente.

- Eu estou meio irritada com o que sua mãe disse a meu respeito. E também, tive medo de ela não me deixar entrar. Vai que eu contamino você com arco-íris lésbicos ou sei lá.

- A bandeira lésbica é rosa, o arco-íris é tipo toda a comunidade LGBT.

- Não entendo disso. Acho tão estranho essas simbologias só para beijar garotas.

Percebi depois que eu estava usando uma blusa listrada com várias cores. Não era a mesma que eu usava na infância, mas era uma parecida que eu havia achado no shopping. Eu era como uma bandeira gay ambulante.

Conversamos sobre a gincana da escola de Mei. Tentei abrir uma brecha para falar de Valentina, mas não foi preciso, pois ela mesma começou a fazer perguntas sobre como andavam as coisas. Eu abri a boca para responder, quando um fetiche de luz adetrou o quarto junto do som da porta rangendo. Nós nos viramos com os olhos arregalados, e eu já estava temendo pela minha vida.

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