Família

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🩵 Riley's POV

Ignorando o calor da manhã, me cobri até a cabeça com o edredom numa tentativa falha de retornar a dormir. Foi quando escutei a porta do meu quarto sendo aberta, seguida do fetiche de luz que atingiu meu rosto mesmo com a proteção do travesseiro e do edredom. Um cheiro forte de queijo derretido invadiu meu nariz e resolvi espiar, me deparando com a imagem de minha mãe segurando uma bandeja de torradas com queijo, um pedacinho de bolo e um copo de suco.

- É meu aniversário? - perguntei, esfregando os olhos e bocejando.

- É que eu e seu pai não tivemos chance de comemorar a sua vitória pelo jogo de ontem. Você saiu com as meninas e chegou meio tarde... Aliás, bom dia!

Meu peito se remoeu de culpa. Era um fato que eu estava deixando minha família meio de lado pelo time, talvez eu tivesse me tornado um pouco obcecada. Porém, era inevitável. Se eu não quisesse ficar sozinha, eu precisava estar sempre disponível para minhas amigas.

- Como foi na casa da Valentina?

Eu lembro de ter assumido a minha sexualidade para minha mãe aos quatorze anos. Tive medo da reação do meu pai, mas quando ele descobriu apenas disse: "Sem meninos então? Ótimo. Vou ver futebol, macaquinha. Depois a gente se fala".
Era óbvio que minha mãe seria uma pessoa sem qualquer preconceito. Tive sorte em cair em uma família compreensiva.

- Tranquilo. - respondi, lembrando de alguns momentos da noite. Lembrei do gosto da pizza, do cheiro de cerveja e da música chata que elas colocaram. Senti uma coçeira incomum no pulso, e imediatamente lembrei da garota.
A cor rosa veio na minha cabeça, que ela vestia da cabeça aos pés. Lembrei dos óculos, do cabelo ruivo que parecia ser natural, lembrei... De tudo.

- Ah, eu conheci uma garota.

- É mesmo?! Puxa vida!

- Mãe você está fazendo de novo.

- Estou fazendo o que? - ela perguntou.

- Aquela cara de: "Minha filha é LGBT! Viva!", arco íris e unicórnios.

- Não foi minha intenção, eu só...

- Relaxa mãe, tô brincando.

Minha mãe riu. Era certo que ela me apoiava, só parecia meio perdida às vezes. Mas ela seria assim se eu falasse em garotos também, acho que o novo para ela é simplesmente eu gostar, de qualquer pessoa. Sua menininha que ela viu crescer estar apaixonada, deve ser meio bizarro para uma mãe mesmo. Confuso.

Contei brevemente sobre como me senti constrangida na presença de Valentina, e então a garota Mei Lee me ouviu mesmo sem me conhecer e fez o possível para me deixar a vontade.

- Ela até me deu o número dela. Disse pra eu mandar mensagem caso precisasse desabafar de novo.

Minha mãe ergueu as sobrancelhas e arregalou os olhos. Ela cruzou os braços e franziu a boca daquele jeito que fazia quando não queria sorrir.

- Mãe?

- Hum?

Ela estava se fingindo de sonsa.

- Não é o que você tá pensando. - eu disse.

- Eu sei! Eu só acho que... Ela gostou de você.

- Nada a ver. Você não entende nada.

- Tudo bem, tudo bem. Os adultos são sempre os loucos. Se você não gosta dela, só trate ela bem tá? Garotas mais novas são bem emotivas.

- Meu Deus mãe... E outra, eu nem sei se vou chamar ela. Acho que eu estou bem.

- Certo. Você quem sabe. Vou deixar você comer. Mais tarde vamos ao parque. Quer ir com a gente ou prefere ficar em casa?

- Quando forem, me avisem que eu decido na hora.

Minha mãe fez cócegas no meu pescoço para me repreender pela audácia e foi embora.
Terminei de tomar café da manhã e puxei o celular. Vi alguns memes, abri a agenda telefônica e fechei de novo. Retornei aos memes, depois abri a agenda telefônica. Afinal, eu ia adicionar o número dela ou não?

"Se for para eu adicionar ela, me mande um sinal, universo!" - pensei com meus botões. Abri meu Tiktok e o primeiro vídeo era um filhote de Golden Retriever tentando ficar de pé, vestindo uma saia rosa de cetim.
De algum jeito aquilo... Lembrava ela. Me flagrei sorrindo e agradeci a Deus por não ter ninguém mais naquele quarto.

Adicionei o maldito número, mas não mandei um "Oi", apenas enviei o vídeo do cachorrinho de saia. Fui escovar os dentes e trocar de roupa. O dia estava bonito demais para ficar em casa de pijama. Assim que desci as escadas, meu pai quase pulou de alegria ao me ver. Fazia um tempo que não saíamos juntos.

- Que tal se eu te der aulas de direção hoje? - ele perguntou. - Assim você se sai melhor no teste ano que vem.

- Sei lá, pode ser. - eu disse, sem prestar muita atenção. Alguma coisa me chamava para o celular, como se meus olhos fossem um ímã atraído pela tela.

- Não planeja ficar no celular o passeio todo, planeja? - meu pai disse.

- Desculpa. Não vou.

- Deixa ela. Pelo menos ela está aqui. Não arruma briga sem motivo, por favor. - disse minha mãe. Senti algo estranho. Desde que eu estivesse com eles eu poderia agir como bem quisesse? Minha mãe me enxergava dessa maneira tão tóxica? Eu estava sendo tão escrota com minha família a esse ponto?
Se for assim, eu ia fazer aquela manhã com meus pais valer a pena. Ia me esforçar para ser uma boa filha.

Mei Lee me respondeu.
Ela mandou vários emojis risonhos. Uns minutos depois, mandou foto de um gatinho de pelagem laranja brincando com a tampa de um pote.

"Parece você jogando hockey", ela disse assim que mandou o vídeo. Eu ri alto, mostrei o vídeo para minha mãe e ela fez a mesma cara de antes.

- Mãe!

- Eu não fiz nada!

Revirei os olhos. Entretanto, assisti o mesmo vídeo pelo menos três vezes, e li e reli a mensagem da Mei Lee: "Parece você", ela lembrou de mim com um vídeo aleatório. Mas isso não era nada demais. Vida que segue.

Ninguém é como você Onde histórias criam vida. Descubra agora