Ninguém é como você

Pessoa errada

🩵 Riley's POV

- Eu posso ser sincera, Minessota? - Valentina começou de repente. Era minha terceira falta no treino, eu estava mais irritada do que gostaria de admitir. Não sabia dizer o que me incomodava. Quando me questionava sobre isso, lembrava do fato de que Mei não me mandava mensagem há vários dias.

- Quando você não é sincera? - perguntei, revirando os olhos. Dessa vez eu não estava em uma intenção de provocar ou flertar, estava apenas respirando ódio genuíno mesmo. Eu queria estar em casa, de preferência na minha cama. As minhas articulações estavam doloridas e meu nariz estava tão frio que se um mosquito se aproximasse morreria congelado.

- Eu acho que você ficou tão obcecada pela ideia de ser a melhor que deixou de lado sua paixão pelo esporte.

- Você não faz ideia do que está dizendo. Isso aqui é a minha vida inteira. Eu sou tão apaixonada por hockey quanto... - NÃO! NÃO DIGA ISSO! - Quanto à comida. 

Obrigada Deus.
Valentina balançou a cabeça e repousou a mão em meu ombro.

- Riley, é sério. Você não é a mesma pessoa de quando entrou para a equipe. Aquela menina cheia de ansiedade que se sentia pior que todo mundo. Você já evoluiu muito e sabe que é boa. Mas não pode fazer da vida uma constante competição. Parece que isso está te torturando.

As palavras de Valentina me trouxeram de volta as lembranças que eu preferia esquecer. Como fiquei feliz quando a treinadora dos Falcões convidou a mim e às minhas amigas para treinar. Quando minhas "amigas" decidiram se mudar sem dizer uma palavra para mim, e nunca mais mantiveram contato, mesmo depois de eu me desculpar um milhão de vezes pela forma que as ignorei ao descobrir. Como acabei me isolando acidentalmente e, quando Valentina me ajudou a sorrir de novo, eu fui lá e me apaixonei. Minha carência é o que mais odeio em mim mesma. Por isso tento evitar a todo custo, criando essa barreira ao meu redor que me mantém protegida de qualquer rompimento, seja de amizade ou relacionamento. Embora eu ainda queira que Valentina me dê uma chance, porque ela faz eu me sentir diferente. Quero dizer, quando ela não é uma completa puta.

- Não queria concordar com você. Que raiva. - eu disse, esfregando as têmporas. Só conseguia pensar no quanto eu estava cansada. Cansada fisicamente e, claro, psicologicamente. Eu não aguentava mais sentir as coisas. Queria passar um único dia com o peito vazio, de modo que o universo contemplasse a minha mísera existência sem expectativas do que viria a seguir, porque eu permaneceria feito um barco à deriva sem qualquer emoção.

- Quer saber? Eu tive uma ideia. Vamos treinar amanhã bem cedinho. Igual nos velhos tempos. Não precisa levar a sério, é só para descontrair. - ela disse.

- Não sei se é uma boa...

- Ah, para! Você sabe que não vai se arrepender. Além do mais, quando você se recusa a estar comigo?

Passei a língua na bochecha e desviei o olhar.

- Tanto faz. Mas eu não vou andando ou sei lá, você vem me buscar.

- Com certeza! - ela se animou com minha resposta, me fazendo dar um pequeno sorriso.

🌸 Mei Lee's POV

- O que você diria no meu funeral? - eu perguntei. Abby embaralhou as cartas na sua mão como se fossem algo a se esconder. Estávamos jogando "Amigos de Merda", que o nome é horrível mas a brincadeira até que é legal.

- Foi a piranha mais legal que já viveu! - ela disse, fingindo estar aos prantos.

- Ela está com os vermes agora. Deve estar linda. - disse Priya.

- Obrigada pelas belas palavras, Priya. - eu ironizei, mas não contive o riso.

- Mei Lee se foi e levou com ela o meu coração. A vida perdeu o sentido, e eu perdi tudo que realmente importava. - disse Miriam.

- Credo! Precisa fazer uma declaração de bosta toda vez que tiver chance? Era pra ser engraçado! - disse Abby, ficando com as bochechas vermelhas de raiva. Eu também corei, mas por outro motivo.

- Eu só estava citando um mangá que eu li. - Miriam disse. - A Mei conhece. Não?

- Não me lembro. - eu disse, e era verdade.

- Ah, acho que devo ter comentado mas esqueci de te mostrar.

- Pode me mostrar alguma hora. - eu disse. O assunto parecia trivial, mas tinha um ar meio tenso. - Como foi o treino hoje?

- A Riley achava que estava lutando num ringue ou sei lá. Saiu atropelando todo mundo. Acho que uma das meninas machucou o pé por causa dela.

- Quero saber de você. Não da Riley. - eu disse. Algo dentro de mim sussurrou a palavra "Mentira". Tentei me convencer de que estava interessada no desempenho de Miriam. Ela pareceu surpresa, mas resumiu bem alguns acontecimentos do treino em sua perspectiva.

- Eu desisto. Nunca mais saio com vocês sem o Devon. Odeio ficar de vela. - disse Abby, jogando as cartas na nossa cara e levantando.

- Eu também estou sobrando, se não notou. - disse Priya.

- Não notei mesmo. Você mal fala. Isso me irrita também.

Abby estava sendo muito... Bom, Abby. Estávamos acostumadas com seu jeito estressado. Amávamos ela mesmo assim.
Meu instinto e também meus anos de amizade com Abby me fizeram entender que ela é uma perfeccionista que planeja tudo meticulosamente e espera que as pessoas sigam seu roteiro. Se isso não acontece, ela surta.

- E se assistirmos um filme? - sugeriu Priya. - Um romance de vampiros, ou um terror com bastante sangue e tripas.

- Ótima ideia! - disse Abby, já caminhando até a televisão. - Quero assistir algo em que todo o mundo morra, até o câmera man do filme. Assim posso fantasiar que são vocês que estão sendo assassinadas.

- Meu Deus Abby. - Miriam estava com os olhos arregalados, achando a reação de Abby um terrível exagero. Eu apenas gargalhei até a barriga doer, e acabei caindo no colo de Miriam. Enquanto as meninas colavam o filme para tocar, continuei com a cabeça deitada nas pernas de Miriam. Ela acariciou meus cabelos de leve, conversando normalmente com nossas amigas e comigo. Pareceu tão natural. Tão certo. Era ali que meu coração deveria estar.

Por que não estava?