Karaokê

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🌸 Mei Lee's POV

As tardes de karaokê eram sempre as melhores. Há não muito tempo, eu não tinha autorização para participar. Porém, a volatilidade do ego de minha mãe parecia estar jogando a meu favor uma vez na vida. Antes de pedir permissão, fiz a maior e melhor faxina na casa, devo ter passado o espanador até no teto. Assim que vi seu rosto relaxar e um sorriso surgir em sua boca pequenininha, já saí correndo para confirmar minha presença às meninas.

Vesti uma saia jeans e uma blusa que deixava os ombros à mostra. Coloquei a mesma gargantilha preta de sempre, era quase como minha assinatura. Tomei um banho de perfume, borrifando atrás da nuca, nos cotovelos e nas panturrilhas, e por fim os pulsos e o pescoço. Deixei para passar maquiagem no ônibus até o karaokê, caso contrário minha mãe poderia implicar com o excesso de maquiagem.

Foi um pouco complicado passar delineador com o balanço do ônibus, mas fiz o meu melhor e não ficou ruim. Chegando lá, Abby já estava em frente ao estacionamento e, assim que me viu, acenou e deu uns pulinhos. Dei um abraço apertado nela e me assustei com uma figura masculina alta atrás de nós. Se bem que, perto de Abby, não era difícil ser alto.

- Devon? - perguntei para ter certeza. Era estranho vê-lo depois de tanto tempo.

- Oi. - ele acenou rápido com um meio sorriso. Educado, mas não parecia interessado em me dar muita atenção.

- O que você faz aqui? Ah desculpe, não quis soar grossa...

- Eu vim com a Abby, óbvio! - ele disse, envolvendo a cintura da minha amiga.
Meus olhos quase pularam para fora das órbitas e minha boca formou um perfeito "O". Abby ficou mais vermelha que um tomate.

- QUÊ?!

Abby agitava as mãos no ar e atropelava as palavras. Depois de uns minutos constrangedores eu entendi que ela e Devon estavam namorando.

- Parabéns! Fico feliz por vocês! Sua mãe sabe? Faz quanto tempo que...

- Antes de você nos encher de perguntas, espera as meninas chegarem que eu explico tudo.

- Elas não sabem que ele vem?

- Elas sabem...

Fiquei confusa.

- Por que só eu não sabia?

Abby mordeu o lábio e cruzou os braços. Franziu a testa para ela, que suspirou derrotada.

- Eu não queria deixar um clima estranho... Eu sei o que rolou com vocês antes e tal...

- Isso é passado. Faz muito tempo. O Devon nem deve lembrar, não é?

Devon tinha o olhar de paisagem, fitando as acrobacias aéreas de uma libélula próxima. Ele estava com as mãos no bolso e usava uma touca meio cor de bosta. Não consigo entender como eu já havia gostado dele.

Abby revirou os olhos, mas ficou encarando ele de um jeitinho bobo que nunca vi antes. Eu estava mesmo feliz por minha amiga.
Priya chegou logo em seguida de mãos dadas com uma garota que era bastante familiar para mim. Era a menina gótica que conhecemos na festa do Tyler, que inclusive andava atrás delas como um animal de estimação.

- Oi! Eu não sabia que vocês viriam! - eu disse, me referindo a Tyler e a... Bom, Pryia a chamava de companheira espiritual, seja lá o que for isso. Comecei a preparar o meu psicológico para as inúmeras músicas depressivas que elas iriam fazer dueto com certeza.

- Fala sério! Só eu vou ficar de vela! - reclamou Tyler.

- Não só você. - eu disse, revirando os olhos.

- Até parece. Olha aí quem está chegando.

Antes de tudo, reparei na expressão totalmente censuradora de Abby. Priya e sua... Cara, o nome dela é Emily! Vou chamar pelo nome que é mais fácil! Elas deram um tapa na própria testa, e Devon começou a assoviar para disfarçar alguma coisa.

- Oi pessoal! - Miriam cumprimentou a todos com um aperto de mão, indo em direção a entrada do karaokê. Todos ficaram com cara de quem tinham visto um fantasma, enquanto eu rapidamente mudei de assunto e fingi não entender.

...

Tínhamos que começar com "4Town", obviamente. Minha barriga doeu de tanto que ri dos gestos teatrais de Miriam em sua performance, só não era tão hilário quanto Priya sorrindo e cantando alto. Ela só fazia isso com músicas do 4Town. Tyler convenceu Devon de cantar uma música romântica com ele, que fez todas nós rirmos muito. Depois da música, Devon segurou a mão de Abby e deu um beijo, igual nos livros de romance de época. Fizemos som de vômito para provocar ela, que nos xingou em duas línguas diferentes.
Fiquei surpresa quando Priya e Emily selecionaram músicas alegres da Olívia Rodrigo, e não algo melancólico e sombrio, quase sinistro.
Assim a tarde foi passando. O karaokê também servia hambúrguer e refrigerante, então juntamos todo o dinheiro que tínhamos para comprar uns lanches. Decidi pegar o vegetariano por ser mais barato, porque eu precisava do dinheiro da passagem para a volta.

- Pode pedir o que quiser. Eu chamo um carro para nós duas depois. - ofereceu Miriam.

- Não sei... Minha casa é longe da sua, pode ser que a corrida saia cara.

- Não importa. Eu sei que você não curte esse hambúrguer vegetariano porque acha a carne de soja muito seca.

- Tudo bem então. Mas eu vou te pagar quando receber minha mesada.

- Esquece isso, Meimei. Tá tranquilo.

Miriam era uma das minhas melhores amigas. Nos conhecíamos há anos, sabíamos cada mania, cada medo, angústia e defeitos. E além disso, eu tinha a habilidade inabalável de compreender o que uma pessoa realmente queria dizer só de olhar para ela.

Porém, eu não queria acreditar. Devia ser coisa da minha cabeça.

Ninguém é como você Onde histórias criam vida. Descubra agora