Futuro

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🌸 Mei Lee's POV

Resisti ao ímpeto de tampar o nariz com o cheiro forte de incenso que aquele estabelecimento emanava. Eu até gostava de alguns, mas parecia que a dona da loja tinha ascendido todos ao mesmo tempo...
Minha mãe selecionava alguns itens decorativos para o nosso templo. Ela estava tentando deixar a área da frente mais moderna, já que a parte interna não deve ser substituída por questão de honrar aos nossos ancestrais. Ela me arrancou da cama bem cedinho para comer bolinhos de arroz na varanda e depois irmos ao shopping. Pensei que íamos ir ao cinema ou tomar milkshake, mas era uma armadilha.

- É só isso, madame? - disse a atendente, assim que chegamos ao caixa.

- Só isso? Eu acho que estou levando metade da loja, né Meimei? - minha mãe riu da própria piada. Dei um sorriso amarelo só para ela não ficar no vácuo. Minha mãe era amiga da dona, apesar de sempre falar mal das roupas da pobre mulher. Sua cultura era diferente, apesar de ter ascendência chinesa, ela era meio cigana.

- Querida Meimei, estou sentindo uma energia diferente em você...

- É mesmo? - perguntei, aflita. Eu acreditava nesse negócio de energias e vibrações, e parecia que o mundo ia desabar sobre mim só de ouvir aquela frase de uma cigana.

- Ela está ótima. - interrompeu minha mãe.

- Não gostaria que eu lesse o seu futuro só para verificarmos?

Sorri tanto que minhas bochechas machucaram. Minha mãe revirou os olhos e agarrou de uma vez duas caixas de cacarecos de porcelana que havia comprado.

- Vou levar isso até o carro enquanto você termina essa besteira. Dá pra algum funcionário me ajudar? - minha mãe perguntou, mas saiu mais em tom de ordem que pedido. A mulher apenas riu e assentiu, pedindo que a atendente ajudasse minha mãe com as caixas. Ela devia estar acostumada com o jeito da minha mãe.

A mulher puxou um baralho de tarô não sei de onde. Talvez do bolso de trás? Ou ela só fez brotar ali do nada, vai saber.
Ela me guiou até o balcão do caixa mesmo, afinal seria uma leitura bem rápida.

- Vejo que você é uma pessoa muito sensível.

- Todos me dizem isso. Estou aprendendo a segurar mais a onda, sabe? Às vezes parece que...

- Não acabei. - ela me interrompeu. Às vezes eu não conseguia segurar a língua, o que resultava em momentos de pura vergonha.
Ela continuou:

- Bom, você pode ser sensível, mas significa que vai ter uma vida incrível, e terá muitas histórias para contar na velhice, porque você sente as coisas com maior intensidade.

Eu quase chorei com aquelas palavras. Era a primeira pessoa que normalizava meu jeito intenso e não me fazia sentir uma completa esquisita.

- E você está prestes a perceber que existem pessoas iguais a você. - ela disse, colocando outra carta na mesa. Tentei adivinhar o que elas significavam, mas eram imagens complexas demais até para mim.

- Eu vejo um homem. - ela disse. - Ele é inseguro, vai precisar de você para melhorar isso. Vocês podem trazer à tona o melhor um do outro, ou o pior.

- Um... Homem? - perguntei. - É o homem da minha vida? O que eu vou casar? - pergunto, ansiosa. - Ele é bonito?

A mulher puxa outra carta e franze a testa, séria.

- Ora, eu não esperava por essa. - ela declarou.

- Qual o problema?

- Pensei que seria um homem, mas... - ela para, levando o dedo aos lábios pintados de vermelho, pensativa demais.

- Desembucha mulher! - eu explodi, nervosa.

- Querida, você gosta de mulheres não gosta?

Congelei. Meus olhos travaram na mulher diante de mim como se ela fosse um fantasma.
Um nome veio em minha mente, e por mais que tentasse afastá-lo, ele continuava ali.

- A inicial dessa... Mulher... Está entre P, Q, R e S?

O sininho da porta tocou, indicando que alguém havia entrado. Era minha mãe, furiosa e com pressa.

- Vamos logo filha! - ela ordenou. Dei as costas e saí correndo sem me despedir. Minha mãe também não se despediu, mas por razões distintas das minhas. Ela prometeu que me daria um milkshake por tê-la acompanhado, e fomos até a sorveteria de dentro do shopping que naquele horário estava quase vazia. As pessoas não costumavam se empanturrar de sorvete em plena manhã no meu bairro.

- Como foi a sessão de cartomancia? - ela perguntou, fingindo interesse. Mesmo se ela quisesse saber, eu nunca diria.

Ninguém é como você Onde histórias criam vida. Descubra agora