SEIS

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6 anos atrás...

Hoje, eu e o Gustavo, estamos fazendo dois anos de namoro. Parece que foi ontem que tudo começou, apesar de que não foi o melhor início de namoro.

Eu sempre tive problemas com meu corpo, meu peso. E quando o Gustavo disse que queria ficar comigo, eu levei na brincadeira. Eu não dava bola às suas indiretas. Não que ele seja feio. Isso com certeza não é uma hipótese a ser cogitada. O Gustavo, além de lindo e atraente, é inteligente. Predicados positivos demais em uma pessoa só? Pode até ser. Mas ele realmente é tudo isso. Eu sempre fui insegura comigo, com meu corpo. Mesmo com toda a minha família e "amigas" dizendo que eu vejo coisas onde não tem. A verdade é que sequer consigo me olhar nua no espelho. Baixa autoestima? Sempre tive. Insegurança? Na maioria das vezes. Essa realmente sou eu. Aurora Lyz aos 18 anos e virgem.

Agora, como me segurei em dois anos com o Gu? Bom! Ai é complicado. No início, assim que ficamos, ele sempre se mostrou tarado. Eu meio que gostava, mas nunca passamos de alguns amassos dentro do seu carro e, depois de um tempo, chegamos ao sexo oral. Acredito que, por ele gostar de como eu faço, ele ainda espera o meu tempo.

E também tem outra coisa, eu e o Gu: não saímos muito. Não tiramos fotos ou postamos declarações em redes sociais. Brigamos várias vezes por isso, mas ele sempre alegou ser discreto e caseiro ou que tínhamos de "cuidar" do nosso namoro por causa do poder aquisitivo de nossas famílias.

Eu, realmente, nunca consegui engolir todas essas desculpas. Mas tive de me conformar quando brigamos pela última vez e ele ameaçou acabar o namoro. Isso foi há três meses. De lá pra cá, manter esse namoro está me consumindo. Por isso, e pelo amor que eu sinto por ele, tomei uma decisão muito importante.

Hoje, no dia do nosso aniversário de dois anos, eu vou transar com ele. Ele ainda não sabe. Mas está tudo preparado. A Layla foi comigo ao salão e tive meu dia de beleza. A pior parte foi a depilação. Mas eu só pensava que é sempre por uma boa causa. Fiz compras, inclusive uma lingerie cor de rosa com detalhes em vermelho. Assim que a vi gostei. E mesmo não sendo tão grande a calcinha, eu a comprei mesmo assim. Fora que uma lingerie tão linda e GG é quase uma relíquia na loja.

Marcamos um jantar. Como moramos com nossos pais, eu pensei em algo mais fácil. A surpresa toda seria após o jantar. Vamos ao restaurante do irmão dele, o Guilherme. Foi lá que jantamos juntos pela primeira vez, ou melhor, a única. E depois vou pedir pra irmos a um motel. Será perfeito! Com certeza é um passo muito importante para o nosso namoro.

São 20hs30min e o Gu tá atrasado. Ele não me atende. Estou realmente preocupada.

30 minutos depois...

Estou decepcionada e preocupada. Meus pais e minha irmã estão com um olhar de pena que eu tanto odeio. E liguei umas trezentas vezes pra o Gustavo, mas simplesmente só dá desligado. Eu liguei pra sua casa, mas a mãe dele falou que ele tinha saído e não sabia pra onde. Resolvo esperar mais um pouco..Até que meu celular vibra. Uma mensagem.

Aurora... eu preciso te dizer uma coisa: Eu sei que não sou bom com palavras, e muito menos não sei quais usar pra te dizer isso. Sou um cretino porque ao menos consigo olhar nos seus olhos e te dizer. Antes de tudo, espero que me perdoe. Hoje fazemos dois anos de namoro. Você é uma mulher incrível, mas eu não te amo. Na verdade, eu me descobri. Me aceitei. Eu sou gay, Aurora. E estou conhecendo um cara já algum tempo. Eu não conseguia mais mentir pra você. Antes eu achava que era só uma loucura da minha cabeça. Mas hoje vejo que é real. Também tem mais uma coisa: Eu não saía com você porque tinha vergonha de você. De te apresentar aos meus amigos. Eu sou um babaca, eu sei. E você deve estar me odiando agora. Mas eu só estava com você por pena. Me perdoe por todas essas palavras, se um dia puder me perdoar. Não me odeie. Um abraço e seja feliz.

Gustavo.

Oi? Como? Eu não sei explicar a dor que sinto agora. Simplesmente me levanto do sofá e vou pra o meu quarto. Não consigo chorar, não sinto meu corpo. Apenas sei que estou vazia e que meus pensamentos estão acelerados. Minha cabeça gira, não consigo assimilar tudo o que eu sentindo. Dor? Tristeza? Decepção? Vergonha?

2 meses depois...

Eu nunca mais tive nenhum contato com o Gustavo e, sinceramente, me poupei de procurá-lo e me machucar ainda mais. Minha rotina, apenas, tem sido ficar em casa todos esses dias. A mamãe trabalha muito e o papai quase não o vejo. Passei a me dedicar muito aos estudos, pois logo quero estudar fora do Brasil. Hoje, isso é apenas o que eu quero. Se continuo gorda? Pra mim, sim mesmo todos dizendo que estou igual a um "zumbi". Eu não me olho no espelho. O que faço pra diminuir a dor e esquecer aquela noite? Entro no banheiro e me corto. Nunca me cortei pra jorrar sangue ou me matar. Mas acho que essa dor inibe o que eu sinto. Lido com isso sozinha. Mas hoje ela está maior. Cortei minha barriga e meus braços. Minhas coxas já não são as mesmas. Mas essa foi a única e pior forma que encontrei pra lidar com toda essa merda.

Estou indo dormir e sinto que não estou bem. Minha cabeça dói. Um pouco tonta e febril. Mas tomei um analgésico e tudo o que tenho de fazer é dormir. Talvez pra não acordar. Pois eu ainda gosto mais da escuridão.

Minha cabeça ainda lateja. Mas sinto uma sonolência. Olhos pesados. E à medida que meus sentidos voltam percebo que onde estou não é meu quarto. Até que vejo Layla conversando com alguém. Mas quem? Um médico? Eu decididamente estou em um hospital. Tudo em mim dói. Ou será que morri e não sei?

A Layla me vê e seu rosto está vermelho. Ela está chorando.

- Oie, mana! Como você está? me pergunta e se aproxima da cama pegando na minha mão.

- Lay, porque estou aqui? E cadê a mamãe? Pode me explicar o que aconteceu? - indago e ela baixa o olhar.

- Aurora eu fui até seu quarto ontem pra pegar um sapato que tinha esquecido lá e te chamei. Mas você não respondeu. Foi aí que percebi que estava desmaiada. Também estava com febre, delirando. Eu chamei o papai e trouxemos você pra cá. A mamãe veio, mas tomou remédio e foi pra casa depois dos resultados dos exames. Ela chora agora.

- Mas, mana, o que eu tenho? É só uma gripe. E eu ja tô até melhor. O que foi mana? sinto uma sensação ruim.

- Aurora, você está com uma anemia muito forte. Fora uma infecção no pulmão que o médico disse ser um início de pneumonia. Seu sistema imunológico está fraco. Ela me olha aterrorizada e sinto pena pela responsabilidade tão grande de me dizer tudo isso sozinha.

- Ok, mana. Calma! Eu vou me cuidar. Tento esconder meu medo e desespero.

- Mas o pior de tudo, Aurora é suas marcas. Por que está se cortando? Por que tudo isso? O Gustavo não merece nada disso, mana. Ela me olha já com pena e um misto de indignação.

- Hey! Eu sei, ok! aperto sua mão mesmo fraca. - Eu não podia te contar. Eu me odeio por isso.

E, assim, começou uma parte do meu inferno. Passei longos sete dias internada porque, realmente, estava muito fraca. E, após um mês de recuperação, precisei ir ao psiquiatra. No início, tomava uma dosagem de remédio controlado altíssima. E isso fez com que eu perdesse peso. Mas o ânimo e a esperança estava muito longe de voltar.

Isso durou oito meses, muitas consultas com psiquiatras. Comida e estudos. Até que, decidi faz uma prova de intercâmbio e,  recomeçar minha vida. Finalmente, chegou o dia de fazer a prova. Eu fui com uma pontinha de esperança. E foi essa pontinha que me "salvou". Foi no dia do resultado que eu pude sorrir de novo em tanto tempo. Eu senti que seria uma nova vida.

Se me envergonho de ter passado tudo isso? Não. Se faria tudo de novo? Não sei. Mas, de uma coisa eu tinha certeza: Eu seria uma nova mulher. Iria voltar diferente e jamais, nunca mais iria me apaixonar novamente. Quanto aos homens eu iria só usar e abusar. E foi exatamente isso que eu fiz.

Pelo menos até hoje...

Curvas da PaixãoOnde histórias criam vida. Descubra agora