A Sombra do dúbio

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Zero observava Thomas mexendo no celular, jogado no sofá da sede da ZB. A cidade ao redor parecia refletir seu estado mental: sem nome, sem identidade, apenas um cenário de incertezas, sem propósito definido. Havia uma história por trás de não ter um nome oficial, uma decisão deixada em suspenso por políticos e burocratas após eventos traumáticos que marcaram a fundação da cidade. Como se nomear o lugar fosse uma responsabilidade grande demais, um fardo que ninguém queria carregar. Assim como o mistério em torno de Thomas, a cidade parecia à deriva, sem saber quem era.

Desde que Thomas apareceu do nada após a destruição de Ghostcity, Zero nunca mais conseguiu relaxar. Embora quisesse acreditar no irmão, os detalhes que ele fornecia sobre seus movimentos recentes eram vagos. Nova York, Ghostcity, Paris - todas mencionadas em conversas descontraídas. Mas havia algo de errado. Thomas estava aqui agora, em uma cidade sem nome, e cada segundo na presença dele deixava Zero desconfiado.

O som de uma vibração curta interrompeu os pensamentos de Zero. O celular de Thomas. Ele atendeu rapidamente, o que fez Zero franzir a testa, notando como seu irmão parecia tenso por um breve momento. Tensão rara para Thomas, que sempre fora o mais relaxado dos dois.

"Eu vou, sim. Preciso resolver isso agora", Thomas disse, mantendo um tom que tentava soar casual, mas Zero captou uma seriedade escondida. Havia algo escondido nas palavras dele, algo que deixava a mente de Zero inquieta. Thomas se levantou, colocando o celular no bolso, e olhou para Zero com um sorriso preguiçoso, como se nada estivesse fora do normal. "Assuntos importantes, mano. Não demoro."

Zero assentiu, mas por dentro as dúvidas fervilhavam. "Assuntos importantes" não explicavam nada. A ausência de explicações, os sorrisos artificiais e as respostas evasivas eram suficientes para colocar todos os alarmes internos de Zero em alerta. Thomas saiu pela porta com uma confiança que irritava Zero. Era como se ele soubesse de algo que todos os outros ignoravam.

Corvo, que parecia surgir das sombras sempre que necessário, aproximou-se silenciosamente. Seu olhar, sempre carregado de uma espécie de pessimismo tranquilo, encontrou o de Zero. Ele não precisava dizer nada. Sabia o que Zero estava pensando.

"Vamos seguir ele?", Corvo sugeriu com um tom frio, quase como se já soubesse a resposta.

Zero hesitou por um segundo. Ele sabia que seguir o próprio irmão era um sinal claro de que as coisas tinham mudado entre eles. A confiança, uma vez inabalável, estava rachando. Ele nunca pensaria em fazer isso antes, mas agora... Thomas estava diferente. Ou talvez fosse Zero quem estava mudando.

"Vamos", disse Zero, sua voz soando mais decidida do que ele realmente se sentia.

Os dois saíram pela porta, mantendo uma distância segura enquanto seguiam Thomas pelas ruas sem nome. As ruas, parcialmente iluminadas por postes antigos e mal conservados, tinham uma atmosfera pesada. O governo parecia ter abandonado essa cidade, como se deixá-la sem nome também fosse uma forma de esquecer sua existência. Era uma cidade à deriva, como se estivesse em um limbo, aguardando para ser definida.

Thomas caminhava com seu habitual ar relaxado, mas Zero notava cada detalhe. Havia uma precisão nos seus movimentos, como se ele soubesse exatamente onde estava indo e como evitar ser seguido. Talvez ele soubesse. Zero olhou para Corvo, que estava focado no rastro de Thomas. O que será que Corvo pensava? Sempre tão sombrio, Corvo parecia ver desastres onde quer que fosse, e talvez isso estivesse começando a influenciar Zero também.

"Ele sempre foi assim?", Corvo perguntou, sem tirar os olhos de Thomas.

Zero não respondeu de imediato. "Thomas sempre gostou de fazer as coisas do jeito dele. Mas nunca foi tão... evasivo."

"Talvez ele esteja envolvido em algo maior do que está dizendo", sugeriu Corvo, lançando a ideia com a frieza de quem já esperava pelo pior.

Zero sentiu o desconforto crescer. Ele sabia que havia mais em jogo, mas não queria acreditar que Thomas estava no meio de algo tão grande e perigoso. Não ainda. Ghostcity tinha explodido há pouco tempo, e o envolvimento de Thomas com aquela tragédia ainda era um ponto nebuloso na mente de Zero.

Thomas virou em um beco estreito, e Zero e Corvo seguiram cuidadosamente, mantendo-se nas sombras. A iluminação fraca e as paredes grafitadas davam ao lugar um aspecto de abandono, refletindo o estado da cidade em si. Thomas parou e atendeu outra ligação, falando em um tom mais baixo desta vez, como se soubesse que estava sendo observado.

Zero, escondido, ouviu alguns fragmentos da conversa, mas não o suficiente para formar uma imagem clara. Algo sobre "resolver logo" e "Nova York". Seus olhos se estreitaram. Nova York de novo. E o que mais? Ghostcity? O nome de Paris ainda ecoava na sua mente, mencionado casualmente dias atrás. Por que Thomas estava pulando de cidade em cidade, como se estivesse em fuga ou em busca de algo?

"Ele está jogando para os dois lados?", Zero perguntou em voz baixa, tentando desvendar o mistério enquanto observava o irmão. Ou talvez ele estivesse envolvido em algo pessoal, algo que não queria compartilhar, mas não necessariamente perigoso.

"Ou talvez ele só esteja envolvido em algo que não quer contar", Corvo respondeu, ecoando os pensamentos de Zero. A incerteza na voz de Corvo parecia refletir a própria confusão de Zero.

Thomas desligou a ligação e olhou ao redor, quase como se sentisse que estava sendo observado. Zero se manteve imóvel, o coração acelerado, cada batida ecoando na sua cabeça como um sinal de alerta. Algo estava para acontecer. Ele só não sabia o quê.

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