guerreira

0 0 0
                                    

"Toque nele, toque nela, a vida é curta demais para não tocar em quem se ama"
A cinco passos de você.

Emanuel

Ela parecia tão assustada, vulnerável, triste e solitária. Me lembrei do dia em que nos conhecemos. Ela tão perfeita em seu suéter amarelo, e eu tão sem graça.

Quando tentei abraçá-la ela foi para trás, como se não gostasse de contato.

"Pode ficar a um metro e meio de mim por favor? Eu não gosto de muita proximidade"

Até mesmo depois que ela admitiu que me amava, não me tocava, e eu respeitei isso nela.

Até o dia que ela tentou contra a própria  vida pela primeira vez. Finalmente ela deixou que eu a tocasse.

Tanto que a primeira vez que a vi nua, foi para dar banho nela, pois estava muito fraca e não conseguia sozinha.

Agora, ela estava naquele mesmo estado de pânico, chorando e gritando aquelas coisas que mal entendi.

Eu a abracei, como sempre faço, entrelaçando seus braços nos meus ombros. Sentindo seu corpo relaxar.

A carreguei para fora do quarto escuro que o cafajeste a prendeu.

Agora ele iria para a cadeia, e finalmente todos estarão a salvo.

Entreguei minha mulher a duas paramédicas e fui conversar com João e Edu, já que ambos estavam do lado de fora.

- Descobri quem criou o baralho de rosas, olha lá a Rainha de Anjos dentro da ambulância.

- Tá me dizendo que ela criou todo o sistema?

- Sim Eduardo, ela criou todo o sistema.

- Vou ver como ela está, ok pai?

- Certo filho, vai lá.

Com isso conversei com João por mais um tempo e fiz meu depoimento à polícia.

Entrei na ambulância com minha mulher, correndo para descobrir que droga injetaram nela.

Resposta: heroína.

Passei horas no quarto com ela, desintoxicando.

Pedi que João cuidasse de todos em casa e ficasse de olho em Diego, ele poderia ter um ataque a qualquer momento.

Ela recebeu alta na manhã do dia seguinte. Então a levei de volta, evitando tocá-la todo esse tempo.

Dependendo do que ela viu, pode ser que tenha voltado a ser o que era antes.

Em casa todos pareciam preocupados com ela, e vieram até ali falar com Samantha, que parecia muito abalada.

Depois do café, ela subiu para o quarto e não a vi mais.

Subi as escadas, entrei em nosso quarto e a vi mexendo em algumas fotos nossas.

As de natal que fizemos com as crianças, as do aniversário da Alana. Várias fotos de nós dois em viagens e exposições.

- Agora que está mais calma, o que você viu lá doçura?

- Eu...

- Pode falar meu amor, eu juro, seu segredo morre comigo.

- Certo... eu vi... meu ex marido... estuprando minha filha, e a cena... se repetia. Até ficar mudando... intercalando entre as crianças... mas sempre aquele miserável em cima deles... até vir a verdadeira memória... ele estuprando a minha filha em cima de mim - seu rosto era tomado por lágrimas, enquanto eu ouvia sua voz ficar meio mareada.

- Posso te abraçar? - perguntei com o pingo de esperança que ainda restava em mim.

- Eu preciso.

A envolvi no calor do meu corpo, tentando a fazer ficar mais calma. Mas tenho certeza que não existem maneiras de acalmá-la. Ela se lembrou.

Essa mesma versão de "ele estuprou ela em cima de mim" foi a mesma que ela contou quando começamos a sair juntos.

Depois essa história mudou umas quinze vezes, até chegar em "eu estava na porta".

Falei isso com a psiquiatra dela, ela me respondeu que era algo natural depois de tantos traumas vividos. Mudar os fatos é muito comum, mesmo com a terapia. É apenas o cérebro tentando aliviar a dor dela.

- Estou aqui, e sempre estarei meu amor.

Ali ela me deu um beijo, intensa, apaixonada, como nunca a senti antes.

Eu a cobri com a manta que estava aos pés da cama. Fiquei com ela por mais algum tempo, até que ela parasse de chorar e finalmente dormiu nos meus braços. Eu escolhi por bem, acompanhá-la.

SEIS MESES DEPOIS.

Todas as crianças resgatadas têm hoje o seu lar e atualmente, apenas Diego, Edu e Clara moram conosco.

Alice se mudou para um apartamento com amigos do EJA.
João foi morar na cidade vizinha por uma proposta de trabalho.
Ananda encontrou seus pais adotivos e escolheu voltar para eles, ela se enganou eles não estavam mortos.
E Eduardo Gabriel, foi viver a sua tão sonhada liberdade.

Estou orgulhoso de todos eles, conquistaram suas vidas, como sempre sonharam.

Samantha agora está melhor e foi convocada a testemunhar contra os trabalhadores da COSP. Seu depoimento têm sido essencial e ela já é aplaudia por sua coragem e amor.

Principalmente por mim. Ela é uma guerreira e sabe disso.

Me faça esquecer as rosas Onde histórias criam vida. Descubra agora