Descompasso

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Rio Vidal tinha uma única regra na vida, que seguia quase de forma religiosa: trabalhe o suficiente para pagar suas contas e festeje ao máximo para causar um estrago. Aos quase 30 anos, ainda não havia encontrado ninguém, seja homem ou mulher, que a fizesse querer abandonar a companhia de suas amigas e o calor acolhedor de seu bar favorito todas as sextas à noite.

Na verdade, Rio duvidava que tal pessoa sequer existisse.

Portanto, é compreensível a frustração que a envolveu quando, às 21h47 de uma sexta-feira, uma notificação de sua amiga surgiu em seu celular.

"ONDE ESTÁ VOCÊ????" Jen não hesitou em enfatizar a pergunta.

Rio lançou um olhar cansado para a pilha de relatórios ao seu lado, que chegava quase à altura de seus ombros, como uma montanha de obrigações que parecia nunca diminuir. Ela trabalhava na Harkness & Calderu, uma das firmas de advocacia mais respeitadas da cidade de Nova York, um lugar onde sonhos eram moldados e, muitas vezes, despedaçados.

Parte de sua filosofia de vida era moldada por aquele ambiente. Durante anos, observou associados se desdobrarem, noites sem dormir, tentando atingir metas e se tornarem advogados da firma, muitos com seus anseios não alcançando as expectativas. Como assistente jurídica, decidiu não desperdiçar sua juventude presa em um cubículo.

Bem, isso era o que tinha em mente. Sua chefe, Agatha Harkness, dona de metade da empresa e conhecida por sua rigidez, certamente tinha outros planos.

"A bruxa me tem presa em seu feitiço" respondeu rapidamente a mensagem de sua amiga, um sorriso irônico surgindo nos lábios.

'Bruxa' era um apelido carinhoso que Rio havia dado à sua chefe, que, evidentemente, não tinha ideia disso. E talvez fosse melhor assim.

Do outro lado do escritório, através de uma porta de vidro e sob a única luz acesa no local, Agatha se encontrava com a cabeça mergulhada em uma papelada, como se o mundo exterior não existisse. Mesmo por trás de vários cubículos, Rio conseguia enxergar a silhueta da mulher.

— Vidal! — a voz de sua chefe reverberou pelo recinto. — Preciso desses relatórios para ontem. — Ela ergueu a cabeça, fixando o olhar penetrante em Rio.

— Pode fazê-los você mesma. — Rio rebateu, quase inaudível, sua determinação crescendo. Juntou metade dos relatórios que havia terminado, caminhou discretamente até a sala de sua chefe, empurrou a porta e despejou gentilmente a pilha sobre a mesa. — Estou além do meu horário de serviço.

Agatha levou as mãos à cabeça, demonstrando impaciência, e reclinou-se sobre a mesa para encarar Rio.

— Eu te pago o dobro da hora extra — ofereceu, seu tom impessoal.

— Não preciso do dinheiro.

Agatha a mediu de cima a baixo com um olhar inquisitivo, quase desdenhoso.

— Não?

Rio revirou os olhos, a indignação clara em seu rosto. Odiava a postura condescendente e elitista de Agatha em relação aos funcionários.

— Não, eu não preciso. E estou atrasada para um compromisso.

O compromisso em questão era encher a cara com a bebida de maior teor alcoólico que conseguisse encontrar no bar Road's, depois se atracar com o primeiro ser humano que aparecesse em sua frente e, por fim, encerrar a noite com chave de ouro, sendo carregada para casa por suas amigas Jen e Alice.

Ainda escutou sua chefe gritar seu nome uma última vez, a voz ecoando pelo escritório, antes de cruzar a porta do elevador.


Querida Agatha • AgatharioOnde histórias criam vida. Descubra agora