Pequenos diamantes

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Charlotte chorou nos braços de Engfa, a mulher mais velha a segurando em silêncio.

Dentro do seu peito, o seu coração estava agitado, uma mistura de sentimentos a enervando. Ao mesmo tempo em que queria consolar Charlotte, ela queria verificar Malee e também ir atrás de Heidi, fazê-la pagar por todo sofrimento infringido.

Mas ela sabia que deveria permanecer ali, então assim ela fez, seus braços ao redor da mulher mais nova, a confortando sem palavras, apenas a abraçando.

Engfa não era boa nesse tipo de coisa, consolar. A única pessoa que ela já havia consolado na vida era Aoom, e ela basicamente só abraçava a garota e falava continuamente que as coisas ficariam bem. Ela achou que essas palavras não funcionariam agora.

Não era culpa dela, no entanto. Ela nunca havia sido consolada, então não sabia bem como fazer isso.

Engfa não gostava de ver ninguém chorando, mas ela tendia a ficar quieta, esperando que outras pessoas tomassem alguma atitude. Não era do feitio dela se envolver em problemas alheios. Por toda sua vida, ela manteve as relações com as pessoas o mais superficial possível, durante a escola, a faculdade e nos empregos que teve. Claro, ela não era mal educada, mas sempre manteve distância. Aoom foi a única que se aproximou e Engfa deixou.

O que aconteceu com Charlotte e Malee, o que estava acontecendo, era algo que nem a própria Engfa compreendia totalmente. Desde a primeira vez que as viu, algo simplesmente clicou dentro dela. Era quase como um imã, a puxando para as duas de uma forma inexplicável.

Charlotte se mexeu em seus braços, tentando se soltar. Engfa não havia notado que o aperto estava forte demais, então ela soltou os braços, ao que Charlotte se afastou alguns poucos centímetros. Elas ainda estavam bem próximas, no entanto.

A mulher bonita havia parado de chorar, e passando as mãos nos olhos, tentou afastar os resquícios das lágrimas. Suas bochechas estavam vermelhas, seus olhos estavam escuros e em seus cílios, as lágrimas pareciam pequenos diamantes. Engfa pensou que Charlotte era linda até quando chorava, mas ainda assim odiou a visão, sabendo que a mulher estava em tormento.

"Sinto muito por sua blusa." Ela disse sem olhar diretamente para Engfa.

Engfa abaixou os olhos e percebeu que sua blusa estava levemente molhada pelas lágrimas da mulher.

"Sinto muito por ter estragado o café da manhã. Sinto muito por tudo." Engfa a olhou, mas Charlotte ainda tinha o olhar baixo, parecendo muito frágil. "Desculpe."

"Não se desculpe, Charlotte. Nada do que aconteceu é sua culpa." Engfa não estava falando da blusa ou do café da manhã e Charlotte pareceu entender a profundidade das palavras simples que Engfa havia dito, porque ela levantou o rosto, parecendo que ia chorar novamente.

"Você sabe disso, não sabe?" Engfa perguntou, porque ela sabia o que Charlotte deveria estar sentindo. O quanto ela deveria achar que a violência de Heidi era justificada. Porque ela já esteve lá também, naquele mesmo ambiente onde a culpa pesava sobre os ombros de quem não merecia, sobre os ombros de quem não havia errado.

"Não peça desculpas quando você não fez nada de errado, Char."

O apelido saiu naturalmente de seus lábios, talvez motivado pelo momento íntimo que estavam compartilhando.

Os olhos de Charlotte se encheram de lágrimas novamente e ela engoliu em seco, claramente se esforçando para não chorar mais. Elas se encararam por algum tempo, o quanto, Engfa não soube especificar, perdida no olhar abatido da mulher.

Engfa queria que Charlotte soubesse que nada do que havia acontecido era culpa dela, queria que Charlotte soubesse que não havia justificativa para a maneira que Heidi a tratava, queria que Charlotte soubesse que não havia motivo para ela se sentir envergonhada.

Lentamente, Charlotte acenou com a cabeça, e mais algumas lágrimas escaparam de seus olhos.

Engfa levantou as mãos, segurando o rosto fino de Charlotte com muita gentileza e usou os polegares para secar as lágrimas. Charlotte fechou os olhos por um instante ou dois, sua cabeça inclinando para o lado direito, se apoiando na palma de Engfa, parecendo apreciar o toque delicado.

No meio do caos em seu ser, Engfa sentiu seu coração pular uma batida com o gesto.

Charlotte se afastou mais uma vez, o contato entre elas se desfazendo. Ela olhou para o corredor, pesarosa.

"Eu deveria falar com Malee, fui rude com a minha filha."

Charlotte era tão cuidadosa. Mesmo sofrendo, ela ainda pensava em Malee, se arrependendo de suas ações anteriores.

"Não sei como fazer as pazes com ela."
Ela ficou parada, parecendo sem coragem de ir até o quarto da menina.

"Charlotte." Engfa a chamou.

A mulher se virou, atendendo ao chamado. "Sim?"

"Onde Heidi está?" Agora que Charlotte estava mais calma, Engfa queria saber onde a mulher estava, tomada por uma necessidade súbita de vingança.

"Canadá. Ela foi convidada para cobrir uma matéria sobre os efeitos das mudanças climáticas, algo do tipo." Charlotte não parecia nem feliz nem triste ao falar.

"Quando ela voltará?"

"Ela ficará lá por dois meses."

Heidi estava fora do país. Longe por dois meses. Charlotte e Malee livres de sua agressividade. Engfa teria que esperar para ir atrás de Heidi, então, mas ela iria eventualmente.

As duas ficaram em silêncio novamente, paradas na cozinha do apartamento.

O silêncio da noite anterior havia sido agradável, tranquilo, mas o atual era pesado, apenas um lembrete de como uma refeição havia dado errado.

Engfa não gostou. De nada naquela situação. Então uma ideia apareceu, e apesar de saber que talvez não fosse uma boa ideia e que Charlotte poderia recusar, ela não conseguiu não perguntar, movida pela urgência de fazer a cor dos olhos de Charlotte ficarem claros novamente, porque ela havia percebido que quando a mulher estava calma e tranquila, suas íris ficavam cor de mel.

"Eu sei como você pode fazer as pazes com Malee."

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