Engfa e Aoom conversaram por horas a fio, até a lua aparecer, grande e brilhante no céu azul acetinado. Foi inevitável não derramar algumas lágrimas, Engfa pensando em sua infância e adolescência, sua mãe, seu pai. As brigas e o caos. Aoom secou todas elas, assim como sempre fez.
Foi decidido que Engfa tentaria ajudar, de forma sutil e sem colocar a mulher de cabelos castanhos e a pequena menina de cabelos pretos em maus lençóis.
Então dia após dia, e noites quase inteiras, Engfa prestava atenção, nenhum som além do barulho dos eletrodomésticos em seu apartamento, tentando escutar algo no apartamento ao lado.
Durou uma semana inteira, até que os gritos explodiram novamente. A voz que agora ela reconhecia como a da loira, rude e cruel, e a voz da mulher de cabelos castanhos sempre baixa. A criança estava calada.
Engfa sentiu arrepios por todo seu corpo, e se levantou imediatamente, correndo para a porta. Ela voltou, lembrando de pegar o celular e colocar pra gravar um áudio. Quando saiu pelo corredor, porém, tropeçou para trás, a mulher e a menina na sua frente.
Eram um contraste, suas vestimentas. Enquanto a menina tinha um casaco e uma calça de moletom para a proteger do frio da noite, a mulher estava com uma blusa fina e short jeans.
Elas trocaram olhares, todas as três, e Engfa observou a criança pedir colo e esconder o rosto no pescoço da mulher. A mulher apenas piscou, sua face sem qualquer expressão, chegou para o lado e continuou a andar, indo em direção ao elevador.
Engfa ficou parada, o celular apertado nas suas mãos, e só voltou a si quando o elevador chegou ao andar delas com o sino típico 'ding dong'. Ela então se virou e correu, entrando no elevador também, evitando o olhar das duas.
"Você estava indo até meu apartamento, certo?" A mulher disse depois de alguns segundos. A voz dela era baixa, levemente aguda.
Engfa ainda não conseguiu olhar. "Não, eu estava..." ela ficou muda, primeiro porque não tinha nenhuma desculpa, e segundo porque as portas do elevador se abriram no subsolo.
A mulher saiu, a menina no colo, e Engfa seguiu, seus pés com vontade própria.
Era o playground. Engfa só havia estado ali no dia em que a corretora a apresentou o edifício. Havia uma pequena sala com poltronas e revistas e livros e sofás, quase como uma recepção, e duas salas grandes, pequenos muros as separando, com janelas de vidro fechando todo o espaço. 'Para os pais poderem conversar e observar os filhos ao mesmo tempo' a corretora explicou.
Ao passarem da sala pequena e indo para a frente da sala da direita, para crianças menores, como a corretora havia lhe dito, a mulher fez menção de colocar a menina no chão, mas as pequenas pernas se cruzaram em sua cintura, e seus braços a apertaram.
"Malee, vamos lá. Você disse que queria brincar."
Malee. Engfa sussurrou. Ela pensou que o nome se adequava a criança. Era bonito.
A menina balançou a cabeça, o rosto ainda escondido, e para a total surpresa de Engfa, a mulher começou a falar em outra língua.
Ela se esforçou, tentando compreender, e então a resposta veio rápido. Inglês. Mas era um sotaque diferente daquele dos filmes.
Ela arregalou os olhos, e observou a menina responder, as duas trocando palavras que ela não entendia, até que ela sentiu dois pares de olhos nela. Um que antes ela pensou ser castanho escuro, mas hoje tinha um tom de avelã e outro quase preto.
A menina fez uma pergunta, e a mulher acenou. E então ela estava no chão, abrindo e fechando a porta de vidro por si só, se afastando, indo em direção às bonecas na prateleira branca e que ocupava quase uma parede inteira.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Saving us
FanfictionCharlotte é mãe de Malee e vive em um relacionamento abusivo de onde não consegue sair. Engfa cresceu em um lar que não lhe deixou nada além de cicatrizes. O destino das duas está entrelaçado.