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Cidade da Neve

"Olha o tamanho desse castelo, mommy!" O grito agudo de Malee fez Engfa sorrir. A garota, com um algodão doce meio derretido na mão, tiara rosa com pequenos pompons na cabeça, estava absolutamente maravilhada.

"Vizinha, tire uma foto minha aqui, por favor!" Ela apontou para um canteiro de flores coloridas. Correndo até lá, ela se agachou e deu um sorriso, inclinando a cabeça de lado.

Absolutamente adorável.

Há algumas atrações atrás, quando Engfa se ofereceu para tirar uma foto da mãe e da filha, elas descobriram que ela era fotógrafa profissional e a criança ficou tão animada que agora pedia fotos a cada dez passos.

Malee voltou pra conferir, pedindo educadamente o celular, que Engfa lhe entregou.

"Engfa." A mulher mais velha se virou, surpresa. Fazia mais de duas horas que estavam no parque, mas Charlotte só havia falado diretamente com ela na hora do carrossel, depois disso, as duas apenas falavam apenas com Malee, a criança conduzindo as interações.

"Sim?"

O olhar de Charlotte mostrava hesitação. Ela passou as mãos pelos cabelos, parecendo dividida entre falar ou não. Mas então ela falou, sua voz baixa.

"Vi que aqui tem um lugar chamado Cidade da Neve, sabe se é verdade?"

Engfa havia dado uma olhada no folheto informativo na bilheteria para ter uma noção básica do local. "Sim, tem um lugar com trenós, tobogãs, estátuas, a temperatura é mantida abaixo de zero."

Charlotte acenou, e sem aparente motivo, suas bochechas ficaram vermelhas. Ela desviou o olhar, focando em algum ponto distante.

"Você quer ir lá?"

A mulher negou com a cabeça rapidamente. "Não, só estava perguntando."

Engfa riu, sabendo melhor. "Char, não fique com vergonha. Se você quer algo, peça. Farei o possível para atender seu pedido."

O rosto de Charlotte pareceu pegar fogo, um tom forte de vermelho tingindo suas bochechas. A mulher negou com a cabeça mais uma vez, sem a olhar.

Engfa encurtou a distância entre elas, e com ousadia recém adquirida, colocou suas mãos no rosto de Charlotte, o levantando. Com o ocorrido da manhã, Charlotte chorando em seus braços, Engfa se sentia bem mais íntima da mulher, e o fato de Charlotte não a afastar somente a incentivou.

"Você quer ir, Char?"

As bochechas de Charlotte estavam quentes sob suas palmas, sua pele macia. A mulher acenou.

"Então vamos!" Engfa pegou a mão de Charlotte e então a mão de Malee, ela no meio dessa vez, guiando-as gentilmente.

Malee havia escolhido roupas térmicas rosas para todas, e embora a cor não estivesse presente no guarda-roupa de Engfa, ela aceitou de bom grado.

Assim que entraram no local, Malee correu para os escorregos. Charlotte ficou parada, olhando ao redor, parecendo admirada e surpresa. A mulher lentamente se agachou e colocou as mãos na neve fabricada.

"Engfa, olhe, parece neve de verdade." A mulher estava animada de uma forma que Engfa ainda não havia presenciado. Ela levantou olhar, e ver seus olhos que pareciam constelações inundaram Engfa de felicidade genuína.

"Tente tocar." Ela chamou.

Engfa agachou ao seu lado, colocando as mãos no chão branco que se estendia por todo o local. "É gelado."

Charlotte riu ao seu lado, uma risada jovial. "Seria estranho se não fosse, certo?"

Engfa riu também, reconhecendo que sua constatação não foi inteligente. Ela afundou as mãos na neve, brincando com um punhado, deixando as escorrer entre os dedos. "Você já viu neve de verdade, Char?"

A resposta foi curta. "Sim."

Engfa acenou, seus olhos em suas próprias mãos. Ela só havia visto neve em filmes na TV. Era legal, a textura granulada. Suas mãos começaram a ficar dormentes e ela estava prestes a levantar quando Charlotte começou a falar novamente, sua voz mais baixa e definitivamente menos empolgada.

"Meu pai é da Inglaterra e minha mãe é da Tailândia. Quando nasci, ele ficou por cerca de três anos, mas eventualmente teve que ir embora porque sua família precisou dele do outro lado do mundo."

Engfa tirou as mãos da neve, olhando para Charlotte que parecia estar fazendo um minúsculo boneco de neve no chão.

"Ele estava separado quando veio da primeira vez, mas quando seu filho mais velho ficou doente, ele reatou com sua esposa. Eu tenho dois irmãos mais velhos. Minha mãe sempre teve esperanças de que um dia ele voltaria e moraria conosco novamente, mas quando ele aparecia, pelo menos uma vez a cada seis meses, era apenas para me ver, sem querer qualquer envolvimento com ela."

A mulher continuou contando a história de sua vida e Engfa focou nela, todo o resto esquecido. Charlotte estava se abrindo com ela, bem ali no meio de dezenas de pessoas na Cidade da Neve.

"Nos comunicávamos regularmente e ele mandava dinheiro mais que o suficiente para todas as minhas despesas; mas conforme o tempo foi passando, minha mãe percebeu que ele não voltaria mais a morar conosco. Com raiva, ela não quis que tivéssemos nenhuma relação, então nos mudamos e eu perdi o contato por um tempo. Quando eu tinha oito anos, porém, ele nos achou e me levou para Inglaterra com ele. Conheci minha madrasta e meus irmão, e eram todos tão gentis."

Charlotte abriu um sorriso enquanto empilhava as bolas de neve, provavelmente se lembrando do passado distante.

"Fomos assistir jogos de futebol, visitamos os castelos, a roda gigante, os museus." Seus olhos brilharam de emoção. "Brincamos na neve quando veio a nevasca."

O boneco estava pronto, mas sem braços ou rosto, apenas seu corpo, esperando o resto da criação.

"Minha mãe foi no consulado e o acusou de sequestro, quando ele me trouxe de volta, depois de quatro meses, havia uma ordem de restrição. Nos mudamos novamente e eu perdi o contato definitivamente desta vez, nunca mais soube do meu pai ou meus irmãos, tentei procurar em redes sociais depois mas nunca achei."

As três bolas de tamanhos diferentes que poderiam ser um boneco de neve caíram, Charlotte os derrubando sem cerimônia, as formas se desfazendo e voltando ao chão como se nunca tivessem existido.

Ela olhou para Engfa com o que parecia esperança. "Talvez um dia eu consiga voltar para Inglaterra e achar minha família novamente."

Charlotte se levantou, batendo as mãos uma na outra para tirar os flocos de neve restantes ali e então as estendeu para Engfa, que ainda estava agachada.

Engfa aceitou, e quando seus olhares se nivelaram, o que aconteceu a seguir a deixou completamente sem reação.

Charlotte se inclinou para Engfa, seu rosto apoiado no ombro da mais velha, seus longos braços finos ao redor de sua cintura, mantendo seus corpos juntos. Claro, haviam camadas de roupa, mas Engfa poderia jurar que sentiu o coração de Charlotte contra o seu, as batidas  sincronizadas. O calor as envolveu e Engfa fechou os olhos, desfrutando aquele momento.

Até que Charlotte sussurrou bem baixinho em seu ouvido. "Queria ver a neve há um longo tempo, Engfa." Sua voz era suave e Engfa sentiu que estava se apaixonando mais uma vez. "Obrigada por isso."