Charlotte desejou nunca ter saído naquela noite.Freen e Becky estavam cuidando da pequena Malee, e ela tinha uma noite livre. Simples assim.
Ela não queria, obviamente. Ela já passava tempo o suficiente longe da filha, deixando-a na creche de manhã e só voltando para buscá-la perto do sol se pôr, no fim da tarde. Eram poucas horas, o que lhe sobrava com a pequena bebê de olhos grandes. E então, aos fins de semana, quando ela trabalhava em bares para fazer um dinheiro a mais, geralmente pegando turnos que iam de onze da noite até às sete da manhã, e ela saia correndo dos bares para ir ao restaurante, ela quase não via sua filha. Confiando em suas preciosas amigas para cuidar dela.
Mas o que mais ela poderia fazer? Criar uma criança não era fácil, e certamente não era barato. Claro, ela dividia o apartamento com as amigas, mas ainda assim, tudo era difícil. Mesmo com nenhum luxo da parte dela, sua filha sempre deveria ter o melhor. E ela se esforçava todos os dias para isso.
Charlotte já havia perdido a conta de quantas pequenas discussões havia tido com Freen e Becky, as duas insistindo em ajudá-la financeiramente, mas ela nunca deixaria. As meninas mais novas eram apenas estudantes, com seus próprios problemas. Deixá-la dividir o apartamento com ela e um bebê, assim como cuidar de Malee todas as vezes que Charlotte precisava já era mais que o suficiente.
A mulher de cabelos castanhos curtos suspirou, dando mais um gole em sua bebida. Definitivamente não estava sendo divertido. As amigas praticamente a expulsaram de casa, tendo arrumado um encontro às cegas com um estudante de direito da faculdade delas, mas nada havia sido como planejado pela dupla.
O rapaz fugiu do restaurante assim que Charlotte falou sobre Malee. Um olhar de espanto no rosto.
Ela deveria saber. Quem se interessaria por uma mãe? Principalmente alguém como ela, que havia largado a faculdade e não tinha expectativa nenhuma de futuro.
Por pior que fosse admitir, Charlotte se sentiu triste. Ela, muitas vezes, só queria se sentir como uma jovem de vinte e dois anos.
Exasperada e lutando contra a própria miséria, ela ficou envergonhada demais para responder as mensagens das amigas, e então rumou para o primeiro bar que encontrou. Sentando-se e imediatamente pedindo cerveja.
Ela só queria beber para esquecer, nem que fosse um pouco. Mas então, naquela noite, toda sua vida mudou.
"Eu nunca-" ela gaguejou, respirando rapidamente, sentindo-se quente. "Eu nunca fiquei com uma garota antes."
Talvez o timing tivesse sido errado, talvez ela devesse ter dito isso algumas horas atrás, quando uma mulher sentou-se do seu lado e começou a flertar, talvez ela devesse ter parado tudo logo ali ainda no bar.
"Sorte pra mim." Foi o que a mulher em cima dela respondeu. "Vou te mostrar o que os meninos não podem fazer."
Charlotte não sabia como de fato tinha parado ali, em um apartamento desconhecido com uma desconhecida. Ela poderia colocar a culpa na bebida, claro, fazia anos que não colocava uma gota sequer de álcool na boca.
Mas... havia esse sentimento nela, uma curiosidade, algo enterrado muito profundamente em seu coração, que ela nunca havia deixado aflorar.
Então talvez, só talvez, não era cem por cento porque estava bêbada.
Foi assim que ela parou ali, afinal. Na cama de uma desconhecida.
Na manhã seguinte, ela esperava colocar as roupas e correr para casa, mas quando saiu do quarto, o cheiro de café da manhã a paralisou. A desconhecida havia feito comida para as duas, e insistiu que Charlotte ficasse para comer.
Charlotte não deveria, mas ficou. E por todo o tempo da refeição, sentiu-se diferente do que esperava se sentir. Nunca faltava assunto para a desconhecida, falando sobre si mesma, sobre o mundo e perguntando sobre Charlotte. E quando Charlotte disse que tinha que ir, porque sua bebê a estava esperando, a desconhecida não fez nada além de sorrir mais uma vez, dizendo que da próxima vez que se encontrassem ela queria conhecê-la.
Mais tarde naquele dia, depois de Charlotte passar horas presa no interrogatório sem fim de suas amigas, que ficaram surpresas ao descobrir sobre o encontro às cegas (e prometeram ensinar uma lição ao cara) e nada surpresas quando ela disse que havia dormido com uma mulher (o que deixou Charlotte surpresa). Charlotte recebeu uma mensagem de um contato que ela não havia adicionado.
'Heidi aqui. Espero que possamos nos reencontrar logo'
E tudo começou a partir dali.
Heidi conheceu não somente Malee, mas Freen e Becky. E conquistou todas elas. Ela trabalhava como redatora em um jornal grande, era bonita, educada, inteligente e o melhor de tudo, retribuiu os sentimentos de Charlotte, que rapidamente se viu apaixonada.
Em um mês, Heidi perguntou se Charlotte aceitaria namorar com ela, e em três meses elas estavam morando juntas em um ótimo apartamento.
Charlotte se sentia em um conto de fadas, só que ao invés de um príncipe, ela havia ganhado uma princesa.
Ela só não sabia que com a mesma velocidade que as coisas podiam dar certo, podiam dar errado.
O pai de Becky estava gravemente doente, e como a boa filha que era, a menina decidiu voltar ao país natal para cuidar dele. Freen, obviamente, seguiu a namorada, prometendo nunca deixar seu lado. Nenhuma das duas havia se formado ainda, mas elas continuariam os estudos na Inglaterra.
O coração de Charlotte se quebrou, havia virado amiga das duas quando procurava apartamentos para morar com a filha e elas a aceitaram. Amava o casal profundamente, como verdadeiras irmãs. Mas ela entendia, e então num dia de inverno, com lágrimas no rosto e soluços que ela achava que não passariam, ela se despediu das amigas, que prometeram voltar.
Ela se agarrou a Heidi, a única que lhe sobrou, e acreditou que tudo ficaria bem se ela tivesse Heidi. Charlotte sentia nada além de amor e gratidão por ter a mulher. Até que não mais.
"Pensei ter dito que não queria você conversando com Nude, Charlotte."
Heidi havia a pegado no restaurante quando o turno acabou, Malee dormindo pacificamente na cadeirinha no banco de trás.
Charlotte revirou os olhos enquanto colocava o cinto. Faziam algumas semanas que Heidi estava com ciúmes de Nude.
"Como eu posso não falar com ela se ela está me ensinando, Heidi?" A mulher no volante bufou e dirigiu.
Nude era a Sous chef recém contratada do restaurante, e após uma breve conversa com Charlotte, perguntou se ela não gostaria de receber algumas aulas, dizendo que ela tinha muito conhecimento culinário e que poderia ser uma aquisição à cozinha.
Charlotte ficou feliz, ela havia lido muito sobre alimentos principalmente por conta de Malee, querendo oferecer à sua filha as refeições mais nutritivas e deliciosas, mas trabalhar em um restaurante a ajudou a crescer em seu conhecimento. Contente, ela aceitou a proposta, e agora ela tinha aulas diárias de graça.
Heidi não gostou. E quanto mais o tempo passava, mais ela ficava irritada, insistindo que Nude não queria nada além de se aproveitar de Charlotte. Heidi tinha esses pensamentos, às vezes, de que a maioria das pessoas que se aproximava de Charlotte era de forma maliciosa, costumava passar rápido, não dessa vez no entanto. A cada dia, a irritação de Heidi crescia, e Charlotte só percebeu que as coisas não estavam certas numa noite de primavera.

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Saving us
FanfictionCharlotte é mãe de Malee e vive em um relacionamento abusivo de onde não consegue sair. Engfa cresceu em um lar que não lhe deixou nada além de cicatrizes. O destino das duas está entrelaçado.