11.

21 2 0
                                    

A segunda-feira chegou, e eu já estava nervosa tentando disfarçar enquanto trabalhava na loja que estava movimentada, mas, por mais que tentasse me concentrar no atendimento, minha mente estava pensando em como ter essa conversa com Daddy. 

Ajeitou as prateleiras de tênis uma última vez, pedi a Mari para qualquer coisa me mandar mensagem. Havia combinado de almoçar ali mesmo, no shopping, em um restaurante tranquilo perto da loja. Quando cheguei, avistei Daddy de longe distraído no celular que ao me ver sorriu.

— Oi, Dona Liz! — Ele me abraçou. — Como você tá?

— Tô bem, e você? — Falei, embora ainda estava nervosa

— Melhor agora, te vendo minha gata. Vamos? - sorri pelo elogio e confirmei com a cabeça.

Chegamos no restaurante e, assim que entramos, escolhemos uma mesa mais reservada, longe da entrada. Senti ainda uma leve tensão no ar, mas  respirou fundo. Sabia que eu precisava falar, mas era difícil encontrar as palavras certas. Daddy ouviu o desconforto e foi direto ao ponto. O garçom chegou naquele momento, trazendo o cardápio, e logo fizemos nossos pedidos

— Tá tudo bem mermo? Você tá parecendo nervosa... aconteceu alguma coisa?

Hesitei por um segundo, mas decidi que aquele era o momento de ser sincera.

— Na verdade... tem algumas coisas que eu queria te contar. — Olhei para ele, tentando organizar meus pensamentos. — Eu tive que ir embora porque minha vida nem sempre é tão livre quanto parece. Sabe, meus pais... eles são muito, muito religiosos. E isso afeta tudo na minha vida.

Ele se inclinou para frente, interessado, mas sem pressionar.

— Religiosos como?

— Eles são super conservadores. Acreditam que tudo, tudo mesmo, que não segue a igreja pra eles é... do diabo. Tipo, de verdade. Pra eles, música que não é gospel é coisa do demônio. Ir a uma festa como aquela, do Borges nem pensar. Até trabalhar em um lugar como a Nike... Eles só deixaram porque é uma loja respeitada, tive que convence-los falando que era pra ajudar no dizimo da igreja mas ainda assim vivem me lembrando que, se eu me afastar de Deus, tô condenada.

Daddy me olhou com uma mistura de surpreso com empatia. Ele claramente não esperava algo assim.

— Caralho, isso é muito complicado...

—É muito. — respondi rapidamente, com os olhos fixos na mesa. — Eu não posso fazer nada sem pensar em como eles reagirão. Tipo, sair pra tomar um café com um amigo já seria um problema enorme. E... — hesitei, antes de continuar — a gente se encontrar assim, se eles souberem, seria um pesadelo.

Daddy permanece em silêncio por um momento, processando tudo. 

— Deve ser muito pesado pra você, viver assim, com esse controle todo, ta ligado?

— É. Às vezes parece que não sou eu quem vive minha vida, sabe? Eu fico fazendo tudo pra agradá-los, pra eles não me olharem como se eu estivesse perdida. Eles acham que estão me protegendo, mas... eu só queria poder ser eu mesma, sem tanto medo.

Olhei pra ele, esperando ver algum julgamento ou incompreensão, mas ele apenas concordou, compreensivo.

— Papo reto mermo? Eu sei que você ama seus pais e quer respeitar o que eles acreditam, mas... você tem o direito de viver sua vida também ta ligado? É difícil encontrar esse equilíbrio, mas não vai ser saudável para você se sentir tão sufocada assim o tempo todo.

Senti meus olhos se encherem de lágrimas, mas tentei disfarçar.

— Eu sei... só que não é fácil. Tudo o que eu faço parece errado pra eles. Até as roupas ou o tipo de música que eu ouvi, é como se tudo fosse uma ameaça.

— Mas isso é quem você é princesa. E não tem nada de errado com isso. — Daddy segurou a minha mão sobre a mesa, seu toque suave transmitindo apoio. — Você tem o direito de ser quem você é, de fazer suas escolhas, de descobrir o que gosta sem sentir culpa o tempo todo ta ligado?

Respirei fundo, tentando absorver aquelas palavras.

— Eu quero muito acreditar nisso... mas cada vez que tento me libertar, vem o medo de enganá-los. E eu sei que, mais cedo ou mais tarde, isso vai acontecer. Eu não vou conseguir esconder a verdade pra sempre.

— Olha, eu vou está aqui pra você. Sempre que você precisar de um tempo, de um respiro, eu vou dar um jeito da gente ver. Não importa o quão difícil seja. Você não tá sozinha nessa.

Olhei para ele com uma confusão de desespero e gratidão. Saber que ele me apoiaria, mesmo com todos os desafios que enfrentava, tornava a situação um pouco mais suportável.

— Obrigada... de verdade. Acho que eu nunca falei isso pra ninguém assim além da mari, e ouvir de você... ajuda muito...Afinal qual seu nome de verdade?

— Iiiii qual foi? Esse papo der saber meu nome não vai rolar agora, gosto quando você me chama pelo meu vulgo — Rimos juntos.

 Me senti aliviada após confessar tudo o que passo, nossos pedidos haviam chegados, ficamos ali almoçando e conversando sobre coisas aleatórias.

Heaven | NGC DaddyOnde histórias criam vida. Descubra agora