Capítulo I - A primeira estrela da noite

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"Ei, você ouviu? Parece que alguém comprou aquele galpão abandonado na beira da estrada..."

"Credo, quem ia querer aquilo?"

"Ouvi dizer que é um milionário querendo investir no agro."

"Sei não, hein. Me disseram que era um pastor querendo abrir uma igreja e fazer lavagem cerebral nas pessoas."

"Tudo mentira! Aquilo lá vai virar o maior bordel que essa cidade já viu, podem anotar."

⋆ ⋆ ⋆

Farta de ouvir boatos sobre quem seria o novo dono do galpão abandonado ou o que diabos aquele local se tornaria, Elise aumentou a música que tocava em seus fones de ouvido. Era sempre assim naquela cidadezinha de fim de mundo, qualquer mínima coisa nova, ou diferente, virava um escarcéu.

Apesar disso, quando pensava a respeito, sorria de maneira sonhadora. Talvez o novo morador da cidade fosse um vampiro milenar que iria se apaixonar por ela e torná-la vampira também. Elise riu com esse pensamento, mesmo que já estivesse no último ano do colégio, ainda mantinha suas fantasias de criança.

Nunca, nem por um momento, havia desistido de se tornar vampira.

Desde muito nova, a garota tinha uma paixão meio maluca por vampiros. Gostava dos filmes assustadores que passavam na TV de madrugada e os engraçados que passavam durante às tardes. Achava poético o fato dessas criaturas precisarem beber sangue humano para sobreviver, pensava que isso era muito romântico, já que significava carregar outra pessoa dentro de seu próprio corpo. E, além de tudo, amava a ideia de viver para sempre, linda e juvenil, uma estrela cujo brilho jamais se apagaria. Poderia continuar cintilando com todo o esplendor no céu noturno por toda a eternidade.

Por conta dessa obsessão, Elise sempre foi um pouco deslocada em relação às outras crianças. Enquanto as outras meninas brincavam de princesas e fadas, ela costumava brincar de ser um vampiro ou um morcego, até mesmo gostava de se pendurar de ponta cabeça nos lugares para tornar sua fantasia ainda mais verossímil.

Quando perguntavam o que ela queria ser quando crescesse, a resposta não era outra além de que queria ser vampira. Nos primeiros anos da escola as pessoas riam, mas depois, conforme o tempo foi passando, Elise percebeu que a maioria dos seus colegas de classe a tirava como desajustada ou sonhadora sem salvação. Mas ela não se importava nem um pouco com isso, jamais iria deixar de ser quem era apenas para se encaixar ou se adequar a padrões sem sentido.

Até porque, mesmo que houvesse quem a achasse esquisita, também tinha quem a achasse legal. Tinha um amigo de infância, Rafael, um otaku incurável que vivia dizendo que as waifus salvariam o mundo, e também Edith, que conheceu durante o ensino médio e compartilhavam gostos em comum.

Além disso, ainda que não desse a mínima para quem não tinha interesse, Elise era muito popular na cidade. Não havia uma única pessoa que não soubesse quem era a emo ruiva que andava por aí com botas de plataformas imensas, guarda-chuva rendado e maquiagem preta sem se importar com a hora do dia ou a estação do ano.

Fosse amada ou odiada, Elise sabia bem o que era estar na boca do povo e o quão irritante isso poderia ser, por isso sentia pena do novo morador da cidade. Ninguém nunca havia sequer visto a sombra dele e mesmo assim já fofocavam diversos absurdos sem sentido. Ridículo. Só por causa disso, esperava que o novo morador fosse o Satanás encarnado, pronto para devorar criancinhas. Quem sabe assim as pessoas parassem de fazer fofoca e começassem a respeitar os outros.

Elise riu dos próprios pensamentos enquanto caminhava por uma ruazinha de paralelepípedos irregulares, aquele caminho conduzia ao cemitério da cidade, lugar que gostava de ir com frequência já que era calmo e silencioso. E muito mais próximo da morte do que qualquer outro local.

Para toda a eternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora