Corria sem parar, sem saber até onde queria chegar. Quando olhava para trás, não via nada, apenas um vazio assustador e iluminado do qual queria se afastar desesperadamente. Então continuava e continuava seguindo pela trilha de ladrilhos negros mesmo que não soubesse onde iria dar.
Até que de repente caiu. E caiu e caiu numa brancura sem fim que doía os olhos e lhe sufocava aos poucos.
Não queria aquilo. Não! Não!
Fechou os olhos enquanto gritava para o espaço vazio, estendeu a mão para cima numa tentativa vaga de agarrar alguma coisa que pudesse parar aquela queda assustadora que levava embora suas lágrimas antes mesmo que pudesse se dar conta que estava chorando.
Não queria cair naquela brancura vazia, não queria ser consumida pela normalidade ao redor, não havia nascido para isso. Pelo contrário: havia nascido para viver a própria vida sem tentar imitar nada nem ninguém. Queria ser livre, leve e feliz. Viver em paz. Apreciar as coisas que gostava sem ninguém para encher o saco.
Então sentiu alguém agarrar sua mão com firmeza. Abriu os olhos e viu o olhar carmesim encará-la de volta. Acordou com falta de ar. Lutava para respirar enquanto o sol nascia lá fora, percebeu que ainda não sabia qual era o nome dele.
Como já estava de pé muito antes da hora, Elise teve um tempo maior para se arrumar e investiu numa maquiagem pesada, batom brilhante, delineado com corações desenhados, lápis de olho e sombra esfumada, tudo no mais escuro e perfeito preto. Para vestir escolheu uma blusa de alcinha preta e uma saia de babados cor de rosa, além de uma meia-calça arrastão com pentagramas para terminar de chocar os velhos crentes da cidade. E esse look com certeza pedia suas botas de plataforma.
Colocou uma gargantilha preta com correntes e um pingente em formato de morcego, pulseiras com espinhos e pulseiras de kandi, dois cintos de rebite, um prateado e outro preto e rosa. Se olhou no espelho e prendeu uma presilha de caveira com asas de morcego entre as madeixas vermelhas, era um verdadeiro anjinho emo.
Sorriu para o reflexo e saiu do quarto, ansiosa para tomar café da manhã, embora não estivesse nadinha animada para ir para a escola.
Foi andando, ouvindo Pierce the Veil, uma de suas bandas preferidas, no volume máximo enquanto pensava no sonho que teve. Tinha muito medo de um dia cair na mesmice, no padrão, e perder sua originalidade e personalidade.
Sabia que não deveria, mas não conseguia não desejar que a chegada do novo morador fosse significativa para a sua vida. Mesmo que ele não fosse um vampiro (o que ainda não tinha certeza) que a transformasse numa linda vampiresa e a amasse por toda a eternidade, Elise tinha a impressão de que ele chegara para virar a cidade de cabeça para baixo.
Será que ele traria a libertação que ela tanto desejava?
Estava tão distraída com pensamentos e músicas estrondosas que nem notou que estava prestes a atravessar uma avenida movimentada. Se assustou quando alguém a puxou de volta e logo quando ia reclamar viu o rosto pálido de Edith olhando-a com preocupação.
Ah, é. Não havia contado a ninguém sobre o encontro com o estranho. Tinha esquecido disso.
Tirou os fones e pausou a música, se ocupando de responder aos questionamentos preocupados da amiga. Ela estava linda hoje, com um vestido de alças negro e rendado, com vários cortes de tule pendendo da saia. Uma fadinha gótica.
Foram andando juntas para a escola enquanto Elise falava sobre o que vinha ocupando sua mente desde o fatídico encontro no cemitério. Achava muito estranho ter se encontrado com a mesma pessoa duas vezes em dois lugares nada adequados para isso. Edith ouviu tudo com atenção, ficando chocada e maravilhada com a sequência de acontecimentos, para ela aquilo só podia ser um sinal do destino de que algo estava para acontecer.
— Será mesmo? — questionou Elise, temendo se deixar levar por fantasias sem sentido. Admitia que era meio lunática, afinal acreditava piamente na existência de vampiros e outros seres sobrenaturais, mas não queria ir muito longe nisso. Tudo parecia bom demais para ser verdade, tinha medo de quebrar a cara.
— Claro que sim! — a amiga respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Dizem que a terceira vez é a da sorte. Espere e veja.
E assim Elise passou o dia inteiro pensando sobre a próxima vez que veria o estranho novo morador. Definitivamente precisava perguntar qual era o nome dele. E de novo, ao invés de copiar a matéria no caderno, ficou desenhando o homem misterioso em diversas poses e looks.
Mais tarde, a garota contou a Rafa a mesma história que contou para Edith, ele também pareceu surpreso e interessado na possibilidade de algo acontecer devido ao novo morador.
— E se ele for mesmo um vampiro? — perguntou Rafa, os olhos brilhando de expectativa. — Tipo, cara, pensa só nas circunstâncias que vocês se encontram! Não pode ser coincidência!
— Né? — falou Edith, abrindo o saquinho de um bolinho Ana Maria. — Eu disse isso pra ela.
— Tá bom, tá bom — Elise respondeu, exasperada. — Mesmo que ele seja um vampiro, quem garante que vai querer me transformar em vampira também?
Edith levantou a mão, dando a entender que gostaria de falar, mas só disse alguma coisa quando terminou de engolir o pedaço de bolo que mastigava.
— Isso é fácil, só fazer ele se apaixonar por você — e voltou a mordiscar o bolinho.
Elise riu alto, arrancando uma risada de Rafa, mas a expressão de Edith continuou inalterada.
— Fala sério — disse Elise, abrindo seu pacote de salgadinhos.
Edith deu de ombros.
— Tô falando, você que não acredita.
— Pois é — Rafa completou —, achei que sua obsessão fosse maior do que isso.
Elise grunhiu, sentindo-se derrotada pelos amigos. Só ela sabia o quanto desejava que o novo morador fosse de fato um vampiro e que ainda por cima se interessasse por ela. Assim poderiam viver uma linda e eterna história de amor. Mas não adiantava ficar só no sonho, precisava ser realista. Eles nem se conheciam de verdade, só haviam se encontrado duas vezes por coincidência. Não tinha como isso se tornar real.
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Para toda a eternidade
Novela JuvenilNuma cidadezinha do interior esquecida por Deus, vive uma adolescente esquisita cujo maior sonho é se tornar vampira, só que ela não conhece ninguém que possa ajudá-la com isso. Até que repentinamente surgem boatos sobre um novo morador que promete...