Capítulo XXVI - É uma merda, mas essas coisas acontecem

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A chuva continuou caindo durante toda a noite. De alguma forma, Elise foi parar em seu próprio quarto, seca e de pijama, mas não sabia como. Não via nada, nada além da cena de Lud entrando no Impala e sumindo na rua. Essa cena continuava se repetindo e se repetindo em sua mente, uma cacofonia de sons terríveis misturados com uma sucessão de imagens dolorosas, arrebatando-a de dentro para fora.

Todo o seu corpo doía, sentia-se estraçalhada, mas ainda assim não dizia nada. Porque não conseguia acreditar que aquilo havia acontecido de verdade. Se recusava a acreditar.

Deveria ter dito para levá-la com ele. Deveria ter gritado mais, batido o pé, batido nele, qualquer coisa. Mas não conseguiu, afinal era só uma humana, frágil e incapaz.

De vez em quando tinha a impressão que alguém batia na porta, mas não sabia se era real ou não, então não dizia nada e continuava encolhida embaixo das cobertas, esperando esse pesadelo acabar. Nunca antes tinha sentido medo do escuro na vida, nunca tinha odiado a solidão, o silêncio, a noite ou a tempestade. E no entanto agora os temia, porque estava quebrada. Arrasada. E afundava numa escuridão sem fim, que entrava em seus pulmões, a impedia de respirar, queimando-a. Rasgando-a como papel, como um filete de grama arrancado do chão.

Não tinha chão. Nem norte, nem destino, não tinha nada além daquela chuvosa e escura noite solitária. E agarrou-se nisso como se ela própria fosse a noite e o sangue que corria em suas veias fosse na verdade as gotas revoltas e translúcidas da tempestade.

Não percebeu quando amanheceu, porque continuava escuro e o som da chuva envolvia tudo, fazendo-a crer que realmente estava submersa em sua própria dor e perda. Ouviu um som irritante, era seu telefone. Primeiro, quis que o aparelho explodisse, depois teve um choque e correu para buscar o celular, pensando que Lud poderia estar mandando alguma mensagem, afinal só ele para estar acordado tão cedo.

Eram 05:15 da manhã, mas a mensagem que havia recebido não era de Lud e nem de nenhum outro vampiro que conhecia, era só a operadora telefônica enchendo o saco. Tomada por um desespero pesado e torpe, Elise se arrastou de volta para a cama sem saber o que era pior: ficar acordada, revivendo na cabeça sem parar o momento que Lud a deixou, ou dormir e permitir que os sonhos tomassem conta, sonhos que não podia controlar. Que seriam tão ou mais cruéis que a realidade na qual estava aprisionada.

Em algum momento, alguém apareceu em seu quarto, porém ela não deu a mínima. Não respondeu, nem mesmo se mexeu. Continuou lá, estirada sob o lençol como um cadáver inanimado, deixando a rigidez e a dormência atingir-lhe os membros. E o tempo foi passando, passando... mas isso não tornava as coisas mais fáceis, pelo contrário, só piorava tudo.

O simples ato de respirar havia se convertido numa tortura, o oxigênio parecia intoxicá-la, queimando suas entranhas devagar. Estava tão pesada... se levantasse, com certeza uma fossa profunda se abriria sob seus pés, sugando-a até o centro da Terra, onde permaneceria até ser esquecida pela vida. E quem sabe até pela morte.

De novo, o celular apitou. Mais uma vez, Elise se esforçou para verificar a notificação, cada movimento um sacrifício sem fim, pois seu corpo não era nada além de um monte de metal enferrujado, pesado, carcomido pelas intempéries do destino. Ao descobrir que não era quem esperava, Elise voltou para a zumbilândia, afundando de vez na apatia sofrida e desoladora. Lá fora a chuva continuava torrencial, embora os trovões já não pudessem mais ser ouvidos, o som do coração da garota sendo quebrado, picotado e rasgado era o suficiente substituí-los.

Elise enfiou a cabeça embaixo do travesseiro, tentando abafar o estrondo provocado por aquela dor, que a destruía de dentro para fora de pouco em pouco, contudo não tinha sucesso, não importava o que fizesse, nada disso ia embora, nunca. Eu vou voltar, ouvia sem parar, eu vou voltar. E então via o Impala sumindo na noite. De repente notou que não conseguia respirar e levantou num impulso, desesperada e arfando. Tudo ao redor girava numa espiral psicodélica e Elise tremia muito. Caiu no chão, estatelada, mas não sentiu a queda. Só sentia o calor das lágrimas que derramava.

Para toda a eternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora