A Thread of Fate

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Já havia um tempo que estava na sala da Casa do Rio. Ela não sabia dizer, mas o sangue de Azriel em suas vestes estava seco, ela ouviu Nestha dizer algo, ela ouviu Emerie segurar sua mão e lhe oferecer uma xícara quente. Ela segurou a xícara quente, que agora estava fria. Ela ouvia o sangue rugir em seus ouvidos.

O rosto pálido e abatido de Azriel dançava em sua memória. Ele a protegeu da explosão de vidro com suas asas. As lindas asas estavam em frangalhos, arranhadas e rasgadas. O sangue escorria, e mesmo assim ele continuou lutando.

Ela se lembrou, do dia em que o viu pela primeira vez.

Ela não sentiu nada, seu corpo já não respondia a ela. Se viu como um sopro de vento, uma brisa que logo seria varrida para o mundo. Sentiu a vida a deixar, sentiu seus minutos se esvaindo, enquanto risadas soavam ao seu redor. O gosto de sangue em sua boca, o cheiro do ferro e suor. Eles sorriam, rostos que ela não se lembra, eles sorriam e zombavam dela.

Parte de si já havia desistido de lutar.

Os olhos sem vida de sua irmã encarava o teto, e ela não sentia mais.

Só torpor.

Ela o viu chegar, o sentiu.

O chão tremeu, como um trovão que toca o solo. Ela o viu entrar pela porta.

Ódio.

O anjo da morte.

Ela viu seu rosto, viu o borbulhar de raiva e dor. Ela sentiu algo ser levado dela, o peso sobre seu corpo foi tirado. Alívio. Ela sentiu alívio. Não morreria sozinha.

Alguém a tocou. Era suave, respeitoso.

Ela queria pedir para deixarem ali. Ela não queria ser tocada. Ela queria Catrin. Sua irmã ainda encarava o teto. O cabelo preto espalhado pelo chão. Ela queria segurar Catrin, se abraçar a ela e ficar. Mas sua irmã ficava cada vez mais distante, ela não queria. Não queria deixá-la ali.

Você vai ficar bem!

Alguém sussurrava. Ela não queria, ela não queria.

Por que ele não a ouve? Por que não a deixam com Catrin? Calor subiu por seu peito. Profundo e quente. Ela sentiu a cura em seu corpo, pele sendo remendada, ossos sendo colocados no lugar. Ela não queria. Catrin não encarava mais o teto. Catrin estava de pé, e sorria pra ela. Ela queria ir até a irmã, ela queria estar com Catrin. Por que a irmã não se movia? Por que se afastava?

Viva Gwyn.

Não era a voz de Catrin. Não era sua irmã que pedia. Não queria viver, não sem ela. O calor por seu corpo aumentou, ela não queria deixar ela ali. Ela não podia.

Então veio o silêncio.

Choro. Alguém chorava. Sentiu uma mão gentil acariciar seu cabelo, um toque tão familiar que por um momento, seu coração se apertou. Era como o toque de sua mãe. O toque que a acalmava nas noites em que não conseguia dormir, quando o mundo era um lugar seguro e amoroso. Ela sentia o beijo suave na testa, ouvia o sussurro carinhoso de sua mãe dizendo que a amava, como se, por um instante, tudo estivesse bem novamente.

Mas não estava.

O carinho era um lembrete cruel do que havia sido perdido, do que nunca mais poderia ser recuperado. A dor voltou, esmagadora, mais real do que nunca. Ela queria se render, cair no vazio. Mas a voz, distante e fraca, insistia.

Viva, Gwyn.

E, apesar de tudo, uma pequena parte de si ainda se segurava. Não por esperança, mas por instinto, por uma promessa não dita, ela se agarrava, aquele fio dourado. Ela se agarrou a ele, a esse fio que parecia tão frágil quanto a luz de uma vela ao vento. E, ao fazer isso, soube, em algum lugar profundo dentro de si, que aquele fio não a levaria a um lugar desconhecido. Ele a guiaria para casa.

Então ela seguiu. Se agarrou ao fio e voltou.

Olhos âmbar a encararam. Intensos, familiares, carregados de um sentimento tão profundo que fez seu coração se apertar de maneira dolorosa. Foi a última coisa que ela viu antes de tudo se apagar.

Ela estava na Casa do Rio.

Sentada no sofá perto da lareira, o calor do fogo quase parecia distante, como se fosse uma ilusão. As vozes ao redor dela soavam abafadas, distantes. Nestha dissera algo. Emerie a olhava com preocupação. Gwyn percebeu que elas estavam ali, mas sentia como se estivesse em dois lugares ao mesmo tempo.

E então, o fio dourado.

Aquele fio que ela pensara ter se perdido no esquecimento, ter sido uma alucinação, trancado em alguma parte de sua mente que nunca mais queria acessar. Mas agora... agora, o sentia de novo. Mais real do que nunca. O fio tremeluzia fracamente, porém constante, como uma batida suave, sempre presente.

Ela se lembrava.

Aquele fio não era apenas algo abstrato, ele estava nele. Em Azriel. Era o laço que a conectava a ele, o fio que, mesmo à beira da morte, a tinha trazido de volta.

Seu coração disparou ao compreender, ao sentir a profundidade daquela ligação, algo que sempre estivera lá, mas que ela tinha medo de aceitar. O que ele significava para ela. E o que ela significava para ele.

Azriel estava à beira da morte, perdera sangue demais. Madja trabalhava sobre ele, suas mãos firmes e habilidosas, mas Gwyn sabia... sabia que a vida dele pendia por um fio. Por aquele fio.

O mesmo que agora brilhava, quase apagado, entre eles.

Ela sentiu as lágrimas se formarem em seus olhos, a realidade daquilo a atingindo com uma força avassaladora. Ele a havia trazido de volta. Agora, ela precisava trazer ele. Precisava agarrar-se àquela conexão e segurá-lo com tudo o que tinha.

O fio dourado pulsou, fraco, mas firme. Era a única coisa que restava entre ele e o vazio. E, com toda a força que lhe restava, Gwyn fez o que nunca havia permitido a si mesma fazer antes.

Ela se entregou àquele laço. O segurou firme e o puxou, ela o sentiu. Agarrado ali, ela o sentiu do outro lado.

Algo dentro dela se quebrou, como uma represa que desmoronava sob o peso de tudo que ela vinha reprimindo. As lágrimas rolaram por seu rosto sem que pudesse contê-las, e seu coração batia forte, sincronizado com aquele fio que ainda mantinha Azriel ali, mesmo que por um triz.

Ela sabia. Sabia o que aquilo significava.

Sabia o que ele era para ela.

Seu corpo tremia enquanto suas mãos apertavam a xícara fria em suas mãos, o som das vozes ao redor desaparecendo completamente, deixando apenas o som da sua própria respiração pesada. Ela se inclinou para frente, quase como se pudesse alcançar aquele fio invisível que os conectava.

E, no silêncio da sala, sua voz saiu em um sussurro, quebrada, mas cheia de certeza.

– Ele é meu parceiro.

Canção das Sombras | GWYNRIELOnde histórias criam vida. Descubra agora