Capítulo 38

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"É um milagre que tenhamos nos conhecido"

SS se tornou o meu lugar feliz. Dos poucos dias que ainda me restavam na costa oeste, eu aproveitei cada um deles naquele veleiro.

Voltei à marina até que o homem grisalho já soubesse o meu nome e eu soubesse o dele: Elias. Sentávamos para conversar sempre que eu voltava do meu passeio curto no mar de Maresias.

Contei à Elias sobre a minha mãe e a minha vida na Austrália. Contei até sobre Medina. Ele ficou fascinado com a ideia de viajar o mundo com um surfista mundialmente famoso.

Mostrei algumas das minhas bandas favoritas e compartilhamos nossos amores por Pink Floyd, Djavan, Engenheiros do Havai e tantos outros. Aquele senhor era a minha companhia de muitas tardes.

Não sabia como dizer à ele que eu iria voltar pra Sydney em poucos dias, então fingi até pra mim mesma que sempre voltaria no dia seguinte. Ele era como o avô que eu nunca tive, nem por parte de mãe nem de pai.

— Essa é a garota do SS? — Um homem de meia idade e com a barriga saliente perguntou com um sorriso largo enquanto se aproximava de nós.

Estávamos sentados em cadeiras de praia, banhados no sol dourado das cinco da tarde.

— Andou falando de mim, velho? — Sussurrei antes do homem chegar perto o suficiente para apertar as nossas mãos.

— Prazer, Malu. — Me apresentei quando ele esticou a mão.

— Bem-vinda, eu sou o Juliano, sou dono do
Queen ali e do Harriet. — Ele apontou os veleiros. — Elias contou que você só pega o SS, certo?

— Seus veleiros são muito bonitos, Juliano.

Era verdade.

— Mas não são o SS, né? — Ele levantou uma sobrancelha.

— Não são. — Ri.

— Tudo bem, menina. Eu sei como é me apaixonar por barcos. — Ele me entendeu.

Depois de um pouco de conversa sobre o clima e óleos que precisavam ser trocados, o homem se despediu e foi embora.

— Hoje você vai conhecer o dono do SS.  — Elias quebrou o silêncio agradável. — É um moço bonito, acho que você vai gostar. — Riu por baixo da barba espessa.

Virei de leve pra ele.

— Ta me chamando de encalhada?

— Você tá viajando Brasil a fora com vários caras e não fisgou nenhum deles! Essa vai ser a minha caridade do ano.

Velho safado.

Olhei pra ele com a minha expressão mais insultada possível.

— Você não vale essa cachaça barata que você toma!

Ele riu aberto.

— Quer um pouco? — Me ofereceu da garrafinha de metal.

— E morrer de cirrose junto contigo? — Levantei a sobrancelha.

Jogamos conversa fora por mais algum tempo até eu notar que já era bem tarde.

Elias queria me fazer aguardar pelo dono do veleiro, mas eu preferi perder a oportunidade.

— Estranho, ele sempre aparece antes da noite cair. Hoje não é seu dia de sorte, garota — Elias lamentou.

— Eu vou chorar as minhas pitangas no caminho de volta pro hotel, não se preocupe. — Garanti à ele antes de continuar a caminhada de volta pro meu solitário quarto.

Click and Surf | Gabriel MedinaWhere stories live. Discover now