Capítulo 16 - Those Eyes (New West) // Devagarinho (part. Mariana Volker)

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Esquece esse papo de viver um amor, por enquanto, e vai viver um grande amor com você. – Olho para ela, deixando a vista da buliçosa Avenida Paulista. – Vai se cuidar, se tratar, se conhecer. Vai se amar, vai gostar de estar com você, vai viajar, vai aprender. – Minha psicóloga pausa e eu aproveito para respirar fundo. – Aprender que você é o bastante, que você se basta. Vai aprender a ser sozinha, Hélia. E daí você vai encontrar alguém, vai se apaixonar, vai entender que para se doar inteira para o outro, você precisa, antes de tudo, estar inteira. Não existe esse papo de metade da laranja. Você não é um ser humano pela metade. E, depois disso tudo, você vai ficar porque você quer, não porque você precisa ou depende disso para ser ou estar.

Ou porque alguém disse... – Digo baixinho, não confiando na minha voz.

Sim, ou porque alguém disse. – Ela fica em silêncio, parecendo ponderar suas próximas palavras. Senti meu corpo enrijecer. – Hélia, você quer o Leal de volta? – Eu não sei...

– Não acho que seja pertinente, Cath estava certa em dizer que eu não moro mais aqui.

– Não perguntei se acha pertinente ou sobre a opinião de outras pessoas. – Abaixei a cabeça com a fala dura. – Por mais cuidado que sua amiga tenha por você, essa é sua decisão. E, da mesma forma que você foi morar fora, você pode voltar. Ou ele pode ir com você. – Eu ri. Está aí uma coisa que eu sei que jamais aconteceria.

Isso é impossível! – Virei meu rosto para a janela, tentando não mostrar como isso me afetava tanto. – Leal jamais iria para outro país! Deus, ele tem pavor de avião. Ele só entrou uma vez quando foi tentar resgatar a filha mais velha, que havia desaparecido. Fora a barreira de outra língua...

Como você pode ter tanta certeza? – Parei bruscamente minhas divagações. – Afinal, anos se passaram... Quase seis, não? Você mudou muito nos últimos seis anos, ele pode ter feito o mesmo. Aliás, você me fez acreditar que sim. – Olhei para ela sem entender. – O jeito como fala dele, como ele tem se mostrado um amigo incrível, como cada coisa pequena que ele faz por e com você, como ele te apoia ou te trava... Isso não me parece em nada com o Leal de antes do relacionamento terminar em definitivo há seis anos, que você me contou no início de nossas sessões. – Eu não sabia o que dizer. – Vou repetir a pergunta: como você pode ter tanta certeza?

Saí da sessão ainda sem saber o que dizer. Dei graças a Deus pelo tempo ter acabado, pois eu não saberia o que responder se eu continuasse ali. Que resposta eu deveria dar? É justamente essa confusão que tem me atormentado. Olho para meu celular, para o aplicativo de carros aberto e para a avenida cheia neste domingo ensolarado. Sorrio para as coisas que ainda não mudaram para mim. Escolhi Nova York para viver porque ela me lembra minha São Paulo de alguma forma. Agitadas, vibrantes, únicas. Duas grandes metrópoles que oferecem uma variedade imensa de experiências, onde você encontra comida de muitos países, eventos culturais de todos os tipos e pessoas de todas as partes. Raro encontrar em outros lugares, esse tipo de riqueza...

Trocar a Paulicéia Desvairada por uma vida na Big Apple não foi lá tão fácil, apesar das semelhanças. Eu senti falta disso aqui. De ver a Avenida Paulista tomada de gente e de arte. De ver a cultura do meu país explodir nas diversas representações artísticas. Continuei andando, me esforçando para desfazer minha bagunça interna na harmonia caótica daqui. Estava tão entregue no empenho de calar as múltiplas vozes na minha cabeça, que não vi que parei perto de uma multidão que ouvia uma menina cantar.


When we're out in a crowd, laughing loud, and nobody knows why

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