– Essa é sua vida. – Vejo Leal apontar para o recinto – Aqui você deixa de ser gás e vira chama. – Rio. – Será que...Nosso amor só cabe aqui? Não cabe na vida real?
– Acho que de uma forma ou de outra, na vida real, nós sempre estamos num palco também, né... – Finalmente encontro minha voz depois do breve susto de vê-lo ali. Eu sabia o motivo dessa vinda, só não sabia se o desfecho seria fácil de engolir. – Sabe, Leal, a primeira vez que eu te vi... – Um vislumbre de vulnerabilidade passa por mim e eu abraço meu corpo. – Nossa, eu tive que me segurar pra não me benzer. Foi tão, tão diferente, sabe, do que eu já havia sentido. Tão forte, tão de repente, que eu senti muito medo. Eu tive medo que esse sentimento não fosse desse mundo. – Tento ignorar as tentativas do meu coração de me impedir de fazer o certo dessa vez. – E eu devia ter seguido meu coração, sabe, porque... Leal, – não consigo impedir que minha voz embargue – acho que nosso amor... Ele, ele não cabe nesse mundo. A gente não conseguiu encontrar um lugar pra ele. – Respiro fundo, preciso continuar. – Mas Deus foi bondoso com a gente, ele nos permitiu viver pelo menos uma noite, esse imenso amor.
Nos encaramos. É como se toda nossa vida, nosso envolvimento, passassem como um filme em nossa frente. Todas as alegrias, angústias, dores, encontros e desencontros. Sorrimos. Talvez não tudo, mas valeu a pena. Era o ponto final que precisávamos para tanto desencontro. Quando ele vai saindo, dispara:
– Hélia... Eu me lembro de cada detalhe daquela noite... Cada detalhe... Como eu queria que aquela noite não acabasse nunca mais.
Não vi como ou quando ele saiu. Aquelas palavras, foram como adagas. Me machucaram por dentro, rasgando cada órgão do meu corpo. Não foi só meu coração que despedaçou. Tudo em mim. Por mais que eu soubesse que esse seria o desfecho, ainda mantive uma pontinha de esperança. A todo momento queria que ele lutasse. Queria que percebesse minha hesitação. Mas não! Ele se manteve firme. Acabou. Era o fim de uma era. Hélia e Leal finalmente tiveram sua última dança.
Cansada de ficar ali, remoendo aquelas palavras, fui até o palco. Era minha casa, o único lar que não me jogava para fora. Meu refúgio. Rodopiei uma, duas, três vezes. Parei. Rodopiei de novo. Parei novamente. As palavras dessa última conversa não era a música que queria dançar. Eu não queria um entorpecente. Eu queria vomitar aquilo de mim. Tirar aquele gosto amargo do meu corpo. Fui até um pequeno rádio que havia ali. Só aquela música seria capaz de expurgar tudo que estava me entorpecendo. Era a que melhor definia aquele momento.
Me deixei levar pela melodia, pela letra, pela voz de Nana Caymmi. De olhos fechados, rodopiava enquanto cantarolava aquele maldito trecho:
Mesmo que exista outro amor que te faça feliz
Se resta em sua lembrança
Um pouco do muito que eu te quis
Onde você estiver não se esqueça de mim
Uma lágrima.
Quando você se lembrar não se esqueça que eu
Que eu não consigo apagar você da minha vida
– Onde você estiver, não se esqueça de mim.
Eu gelei. Um arrepio percorreu todo meu corpo. Ele estava ali. Estava me observando. Ele me viu naquela dança triste.
Virei.
Era ele mesmo meu espectador.
Não conseguia deixar de olhá-lo. Leal se aproximava devagar, ainda receoso. Eu não sabia se controlava minha respiração ou se continuava olhando-o. Tudo estava muito confuso. Ficamos frente a frente, bem próximos. Próximos até demais.
– Não fala nada. – Ele pediu.
Ele me beija. Não sei se foi minha cabeça ou se apenas encostamos os lábios por alguns segundos. Nos afastamos e eu decido que é melhor manter meus olhos fechados. Eu não quero encará-lo. Sinto-o levantar meu queixo e finalmente tomo coragem para abrir meus olhos. Minha visão ainda estava turva por conta das lágrimas, mas esse rosto eu jamais esqueceria.
– Você veio. – Disse em meio às lágrimas. – Veio pra mim.
Dessa vez eu tomei a iniciativa para o beijo. Diferente do primeiro, é um beijo mais desesperado, mais esfregado, com mais pressa. Como se eu sentisse que ele poderia ir se eu não o fizesse.
Sem quebrar o beijo, Leal passava a mão por toda a extensão do meu corpo, apertando como fazia quando eu era a sua mulher. Sua mulher e de mais ninguém. Desceu seus lábios até meu pescoço, à medida que sua mão esquerda apertava minha coxa, do jeito que sabia que me deixava louca. Deixei escapar um gemido de contentamento.
Não deixei por menos. Fiz questão de me esfregar em seu corpo, puxar seu cabelo. Mostrar o quanto o queria. Ele foi levantando meu vestido, sem deixar de acariciar cada centímetro de meu corpo. Retirou-o por completo e jogou no chão. Não parava de olhar. Eu estava com um sutiã meia taça preto de renda, a calcinha também. Era esse olhar faminto que eu amava, que fazia meu corpo pegar fogo.
Continuei desafiando-o com o olhar e o ajudei a se despir. Leal me deita sobre as roupas sem deixar de me beijar. As carícias aumentam. Ele tira meu sutiã e a calcinha, jogando-os longe. Deixei de pensar quando ele me penetrou. A força com que ele fez, me deixou sem fôlego e eu só pedia a Deus que isso não acabasse. Começamos uma sincronia de vai e vem, como um espetáculo de dança de dois corpos que se amam. Conforme ele aumentava o ritmo das estocadas, eu gemia cada vez mais alto. Não me importava se alguém aparecesse. Cravava minhas unhas nas costas dele, marcando-o e deixando bem claro que ele tinha dona e essa dona era eu. Ele me pertencia e eu a ele. E assim chegamos ao clímax, com os corpos suados, respirações aceleradas, olhos nos olhos. Eu adormeci do jeito que eu mais gosto: em seus braços.
– Hélia! Hélia! Acorda. – Fidélio me chamava.
– O que houve? Cadê o Leal?
Olhava ao redor a procura dele. Fidélio me olhou confuso. Me olhei, eu estava vestida, ainda estava naquele quarto, deitada naquela cama de cenário que fora de Otelo. Um pedaço de papel velho em minha mão. Foi tudo um sonho. Apenas um sonho. A torrente de lágrimas rompe a represa. Percebendo do que se tratava, Fidélio me consolou. E o papel velho me encarou:
"Criei mil versões do nosso pra sempre
e em todas elas nós éramos muito felizes.
Mas, talvez...
Só talvez,
essas versões sejam reais em outra vida.
Ainda mantenho meu "sim",
mas você nunca quis fazer a pergunta.
Te esperarei todos os dias,
mesmo sabendo que não existe nenhuma possibilidade
de nos encontrarmos novamente."
E, assim, naquela tarde cinza e tomada por uma chuva torrencial, Leal saiu da minha vida, deixando um buraco no meu peito que nada nem ninguém poderá preencher.
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Tempos Modernos - A Volta
Fiksi PenggemarDepois de um longo tempo fora, o amor ainda estaria intacto? Ou algo havia mudado? Mudanças, crescimento, retorno a si e a espaços que antes pareciam impossíveis. A vida seguiu, mas um "e se?" ainda está nas entrelinhas, esperando o momento em que s...