Estranho para mim ficar de plateia. Logo eu, que fiz questão de me manter longe, de não aceitar, de recriminar a cada segundo. Olho para trás e vejo o quão tola e imatura eu fui. Coloquei culpa somente em um lado e isentei o outro. Como eu não me dei conta que, além de machucar outras pessoas, eu estava me machucando no processo? Como eu não vi a oportunidade que eu estava perdendo?
Maria Eunice tinha razão em tudo. Apesar de duras, as palavras de minha filha foram cruciais para eu finalmente amadurecer. Ainda me envergonho do que fiz há quatro anos. São quatro anos remoendo isso e não me perdoando pela série de atitudes formadas. As palavras morrendo na boca da Hélia, o olhar perdido e magoado, a imagem congelada de uma pessoa que estava em estado de choque com o que ouvia. Nunca me senti tanto como um lixo humano. Minha filha tinha toda razão em cada palavra que me disse assim que eu saí do quarto e a vi ali. Tive tanto medo de que a relação linda que estávamos construindo, se acabasse ali. E se tivesse acontecido, não julgaria. Eu merecia.
E agora, olhando para os dois enquanto discutiam sobre uma coreografia específica, não entendo como chegaram a isso. Como, nesses seis meses tudo mudou tanto, a ponto do meu pai estar nesse projeto, iniciado mês passado? Eu achava que, depois daquela conversa com ele, quando há seis meses Hélia acordou logo após a desastrosa conversa com o ex-enteado, dizendo que precisava de um tempo sozinha antes de iniciar esse projeto, a relação deles seria distante. As palavras do meu pai pareciam definitivas naquela conversa com todos os filhos. Doeu ver o quanto eu contribui para infelicidade deles. Eles podiam estar juntos esse tempo todo, se eu não tivesse feito o que fiz. Iolanda não fez tudo sozinha, eu estava ciente do que estava fazendo. Será que Zeca estava certo em dizer que só me arrependi porque minha filha ouviu tudo? Que esse remorso veio porque eu não queria perder minha filha, o amor e a admiração dela por mim?
Ainda me estremeço com a última discussão.
***
Hélia saiu da mesma forma que entrou: silenciosa. Pegou o chapéu e seguiu seu caminho até as baias. Nem preciso ver que era esse o caminho que fez, pois era algo tão recorrente nos últimos dias aqui. Todas as vezes que eu tentava falar com ela, era esse o caminho que eu a via fazer. Não sei se ela estava fugindo de mim ou de todos no geral. Mas ela sempre estava indo.
E depois de hoje, não teria nem como recriminar. Eu entendi agora as fugas. Apesar de mantermos distância, todo mundo ouviu o desabafo. As palavras duras, carregadas de um esgotamento emocional, que passava para o físico, afundou de vez o clima leve do dia. Zeca correu para ver socorrer sua mãe, mas sabemos que isso não seria possível.
– Eu sou a pessoa que quando todo mundo está precisando, sou eu quem está lá para ajudar. Mas e quando eu cair? E quando eu precisar? E quando eu cansar de ser forte? Porque eu estou cansada de ser forte! Porque nesse momento eu cansei de ser forte! Eu cansei de me sobrecarregar com problemas de todo mundo... E ninguém olhar para mim. – Um arrepio percorreu todo meu corpo. – O sofrimento do seu pai não é melhor que o meu. – Engulo em seco. – Eu também preciso que cuidem de mim! Eu preciso de colo. Eu não sou essa rocha que todo mundo pensa que eu sou... Eu estou sangrando aqui! Eu estou me desfazendo! – Sem que fosse pedido, minha filha mais velha arrastou as irmãs para longe e eu acenei em agradecimento. Bô foi junto. – Não é só seu pai. Ele foi embora! Ele me traiu! E com sua mãe! Com a mulher que ele disse que havia destruído ele, tirando ele de si... Ele decidiu pôr fim a tudo que construímos juntos e o que estávamos prestes a construir. ELE! NÃO EU! – Como pode o destino ser tão irônico? Vejo meu irmão sair a passos apressados para sala, acompanhado por meu pai. Ele para na porta, sem saber o que fazer, as mãos abrindo e fechando várias e várias vezes. – Fácil para você vir aqui fazer acusações, jogar toda a responsabilidade pelos atos dos seus pais, sobretudo seu pai, em cima de mim. Não querer ver seu pai, não querer ler a maldita carta dele, não querer ouvir as desculpas de sua mãe não é fugir. Não é não dar o benefício da dúvida, uma chance de explicar. É respeitar meus limites, meu corpo. Eu estou exausta. Não aguento mais carregar mais nenhum peso acumulado como venho fazendo por tanto tempo. – Olho para Nelinha e peço silenciosamente para que ela o tire dali. Ele não está em condições de ajudar a mãe. É espantoso ver uma mulher como ela demonstrando fraqueza, mas não para mim. Não depois do que fiz e vi de antemão. – Vocês esperam demais de mim. Não quero mais ser sobrecarregada de expectativas, de ver vocês esperarem mais do que eu posso dar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tempos Modernos - A Volta
FanficDepois de um longo tempo fora, o amor ainda estaria intacto? Ou algo havia mudado? Mudanças, crescimento, retorno a si e a espaços que antes pareciam impossíveis. A vida seguiu, mas um "e se?" ainda está nas entrelinhas, esperando o momento em que s...