Capítulo 3 - No time to die (Billie Eilish)

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Tem certeza que é isso que quer, mãe? – Me assusto com a chegada de Zeca.

Sim, Zeca. – Continuei arrumando minhas coisas.

Mas, quando vai? – Meu filho senta na cama, passando a mão para o álbum de fotos de nossos tempos juntos desde sua chegada ao mundo. Era uma cópia que eu daria ao Leal em seu aniversário, mas terminamos antes. E agora é uma lembrança dolorosa que eu nem sei porquê guardei.

Não sei, creio que o mais breve possível. Não conversamos ainda. Nem sei como ele é, fisicamente. – Jogo o álbum na pilha de coisas que eu devolverei a ele.

E como aceitou a proposta? Por que está arrumando suas coisas?

Não quero uma porção de coisas que estão aqui. Vou doar a maioria das coisas e...

Com licença, desculpa entrar assim, Hélia, mas o Fidélio me recebeu e disse que estavam aqui. – Espero a inspeção minuciosa de Nelinha acabar e sorrio de lado, quando ela percebe que não deixei passar seu escrutínio.

Sem problemas, Nelinha. Não repara a bagunça. Ou melhor, repare, só não fale nada. – Eles riram.

Vai viajar? – Olhando para as malas e para as roupas espalhadas.

Vou embora. – Digo sem olhar para a garota.

Ah... – Senti uma ligeira hesitação em sua voz, mas prefiro ignorar. Chega de sinais confusos, já basta o pai deles ser assim. – Bom, eu só vim aqui porque meu pai chamou os filhos para uma conversa. – Mudando de assunto, percebendo meu desconforto. Eu preciso melhorar minha cara de pôker urgente.

Vai, Zeca. Vocês devem ter muito o que conversar.


***


Acordo como se tivesse sido puxada. Mas que raios essa lembrança agora? Sinto minhas mãos frias, com suor escorrendo por elas. Meu coração bate num ritmo tão violento que eu sinto como se ele fosse explodir e me desintegrar. O ar me escapa, assim como a saliva. Eu sei o que está acontecendo. Tudo vai mudar de novo. Mas eu esperava isso. Eu anseio por isso. O que há de errado comigo?

Eu não posso ter outra crise.

No time to die, Hélia. Not today.

Hoje é um grande dia para mim. Tudo vai mudar.

Caminho para o espelho, tocando as delicadas pedras pretas de sua moldura. Hoje é dia de mudança, mas há pelo menos uma constância que me acalma. O preto. Desde que saí de São Paulo, o preto tem me acompanhado. Estou de luto não estando de luto. Morreu uma Hélia que se submetia a um tipo de vida banhado por culpa. Parei de me culpar. Parei de culpar o outro. Parei de ficar disponível para alguém que só me queria de vez em quando. Parei de ser a última da fila.

Parei de fazer muitas coisas.

Minha vida mudou muito nesses três anos. Uma nova Hélia renasceu, numa versão ruiva, de preto – o que acabou se tornando uma marca minha. Foi difícil chegar até aqui, foi duro, violento, mas não estive sozinha. Minha terapia, meu amigos, meus trabalhos diversificados, um novo amor que infelizmente não durou muito, mas que me fez muito feliz e me trouxe a leveza que eu havia perdido pela vergonha causada pela culpa de ter traído minha melhor amiga e o homem que escolhi para ser meu marido. Antonello se foi, com seus vinhos, queijos e meu cabelo ruivo. Ainda sinto sua falta.

Tempos Modernos - A VoltaOnde histórias criam vida. Descubra agora