Eu sei que esbarrei em alguém, mas sinceramente não me interessa. Pedi desculpas displicentemente, mais por desencargo de consciência mesmo, e corri em direção ao quarto em que estava hospedada. Deus, por que esse homem tem que desestabilizar dessa maneira? Um simples toque, que isso! Ele nem parecia querer me beijar... Ou parecia? Para, Hélia, vai dormir. Seu mal é sono. Bati no travesseiro, descontando um pouco da frustração que eu estou sentindo e deitei. É carência. Isso. Ca-rên-cia. Se pelo menos o Antonello estivesse aqui... Ah, pronto! Chega, definitivamente está na hora de dormir.
Por mais que eu me esforçasse muito, o sono não vinha. Era para eu ter me forçado a comer no jantar e depois dormir. Assim eu não teria tido um certo encontro de madrugada e não estaria pensando em bobagens. Peguei um dos travesseiros e coloquei no meu rosto, abafando o grito que eu dei.
***
– Mas o que tem esse tal Leal que te deixa nesse estado? – Lídia me perguntou, mexendo em algo fora da tela do computador. – Nem o Nello te deixou assim.
– Não sei. – Bufei. – Ei, quem disse que eu não fiquei assim também por causa dele, dona Lídia Baldini? Não tira o corpo do seu amigo fora não! – Falei indignada e ela riu.
– Não estou tirando. Esqueceu que seguiu meu conselho, mia cara sorella gemella? – Me olhou por cima do óculos que usava.
– E tem como esquecer? Você me aconselhou a não aceitar um pedido de casamento do seu amigo! É surreal demais para esquecer.
– Se eu não estivesse certa do que esse pedido carregava, eu não teria aconselhado isso e se fosse o que realmente queria, você não o seguiria. Apenas diria o famigerato "sì, ti sposerò, Antonello".
– Tem razão. – Ela apenas me olhou como se eu estivesse dizendo óbvio.
– Quer outro conselho? Aproveita que estou sendo legal. – Apenas ri e acenei positivamente. – Não se mantenha em ciclos que já te causaram dor e desconforto. As coisas, e principalmente, as pessoas podem mudar? Claro que sim. Mas quantas vezes você já deu chance para essa mudança acontecer e ela não aconteceu? Quantas vezes ela aconteceu e você se machucou por não ser o que esperava? Se retire e compreenda que a melhor decisão que você pode tomar por agora é manter a porta completamente fechada, trancada e jogar a chave fora. – Seu sotaque italiano ganhando mais força à medida que proferia as palavras, o que era algo que eu amava nessa ítalo-brasileira. – Guarda, va bene ficar se recordando por um tempo das coisas que aconteceram, ma non va bene reabrir a porta por causa de uma saudade momentânea. – Parou, como se estivesse tentando achar as palavras certas. – Infatti, saudade do que? Da dor e das noites mal dormidas? Das lágrimas? Das crises de ansiedade? – Apenas abaixei a cabeça. – E isso serve para os dois, o tal Leal, que tenho certa curiosidade de conhecer, e o Nello. Eu já bati no Nello, falta esse outro aí. – Rimos. Agradeci e desliguei a videochamada.
***
Não sei por qual motivo lembrei disso. Mas parecia se encaixar. Eu não posso me deixar levar por um saudosismo barato. Não é justo comigo. Lídia tem razão. Se tem algo que agradeço a Nello e a vida em Turim, é ter conhecido essa bruxa em forma de jornalista e escritora, chamada Lídia Baldini. Uma mulher com marcas do tempo, uma mulher que também já esteve na posição de amante, por uma noite, como eu. E uma mulher que é assustadoramente muito parecida comigo. Realmente minha irmã gêmea.
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Tempos Modernos - A Volta
Fiksi PenggemarDepois de um longo tempo fora, o amor ainda estaria intacto? Ou algo havia mudado? Mudanças, crescimento, retorno a si e a espaços que antes pareciam impossíveis. A vida seguiu, mas um "e se?" ainda está nas entrelinhas, esperando o momento em que s...