Capítulo 17 - Eu Não Existo Sem Você // Lisboa

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 Foi engraçado pegá-los no flagra aqui dentro. Beijos roubados no cantinho, tal qual adolescentes colegiais se esgueirando pelos cantos da escola. Tão bonitinhos. O jeito como um segurava a mão do outro, demorando tempo demais, os olhos se encontrando e revelando tanta coisa. Palavras murmuradas. Sei que não fui a única que reparou nisso, mas o privilégio de ser a única com provas sei que sou eu. Sempre torci por eles, mesmo quando eu não compreendia a magnitude do sentimento que eles nutrem um pelo outro.


Eu sei e você sabe

A distância não existe

E todo grande amor

Só é bem grande

Se for triste


Assim como na música que eles estão dançando agora, há uma intensidade tão grande no que eles sentem... É a verdadeira essência de um grande amor. Uma vez ouvi alguém dizer que eles enchiam a boca para falar que eles viveram um grande amor e que ninguém conseguiria compreender o rodapé dele... Por um momento, eu cedi, como os outros, a tentação de acreditar que tudo não passava de um exagero. Afinal, eles se separaram depois e ficaram anos assim. Seis anos, um continente separando, novos relacionamentos...

Mas só de vê-los dançando tão lindamente ao som de 'Eu não existo sem você', que eu vejo que caí na tentação mais errônea de todos os tempos. Que tolice! Essa música é um reflexo perfeito da intensidade e da dependência emocional que ambos sentem um pelo outro, mesmo que seja em segredo. Essa letra expressa um amor tão profundo que se torna uma parte essencial da própria identidade. Se espelha totalmente na maneira como eles se encontram. Apesar das barreiras – principalmente da distância de continentes –, das incertezas e da necessidade de manterem o relacionamento escondido, eles não conseguem se imaginar sem o outro. É lindo!

A maneira como os corpos se conversam, se complementam, como um é inegavelmente próximo ao outro, como cada movimento, por menor que ele seja, está orientado para o outro. É algo raro de se ver e eu espero que eu esteja vivendo isso com meu parceiro. Eles se tocam sem nem perceber, de tão natural que é. Impossível não sentir inveja e querer para si algo como eles têm.

Não, gente, não tem como. – Saí do transe e disfarcei meu olhar perdido neles. – A música não vai funcionar. 'Onde anda você' não evoca o que precisamos. Esse não é o momento de busca ainda, é o momento da briga, da separação. É a parte que nosso Eros e nossa Psique tem a ruptura no relacionamento deles.

Onde anda você fala de saudade e solidão, do desejo de reencontrar a pessoa amada, os momentos vividos... – Ah, o amor... Como é possível ninguém ver isso? A bandeira que eles estão dando se olhando desse jeito!

– Bem se vê que você não, muito conoscenza, istruzione per comprendere, non è vero Leal? – Ainda não consigo entender porque esse italiano ainda está aqui. Não acrescenta em nada, a não ser trazer farpas e intrigas. Esse idiota não perde a oportunidade de provocar.

– Modere sua língua, Antonello. Você não é o mais versado na musicalidade do Vinícius, entende muito pouco e eu não vi ninguém aqui te ofender por isso. Não me viu falando de la tua mancanza di istruzione, hai sentito? Eu também indiquei essa música, semana passada se não me falha memória, porque não conheço nenhuma do poeta que se encaixe melhor nesse momento. Ela não fala realmente da ruptura que queremos, mas é a que mais se aproxima. Eu também não tenho instrução por sugerir essa? Tem contribuição melhor? – Ela arqueou uma sobrancelha. – Se não vai contribuir, fica em silêncio, per favore.

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