Capítulo 8: Flocos é meu favorito.

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Luca Hollis

Escorei a testa na porta assim que a fechei, apertando meus olhos enquanto me dava um soco na cara mentalmente, porque eu era ridículo. Era incrível a capacidade do meu cérebro de travar sempre que Hannah estava por perto. E eu só queria saber como conversar com ela por mais de 5 minutos, sem me sentir um idiota que está passando vergonha.

Me afastei da porta, erguendo a mão para esfregar a testa, desejando ser um porquinho como Wyatt e Joe. Os dois eram tão livres e confiantes. Se tinha uma coisa que eu não tinha, era confiança em mim mesmo. A não ser quando eu estava dentro de um rinque de patinação. Hóquei fazia eu me sentir vivo. Me dava a sensação de que eu era capaz de fazer qualquer coisa, até mesmo falar pra Hannah Carson que ela era incrível. Mas era só pisar fora do rinque que tudo caia na estaca zero.

Jasmine costuma dizer que isso tem a ver com o que eu já passei na vida. Sofrer um acidente de carro e perder os pais poderia mudar absolutamente tudo pra todo mundo, mas com certeza é mais fácil quando você não se lembra de nada. Essa era uma coisa que eu e Jasmine tínhamos em comum, diferente dos nossos outros irmãos, a gente se lembrava.

Jasmine se lembrava da mãe dela e depois dos tios que cuidaram dela, antes de eles morrerem e ela ir pro orfanato. E eu me lembrava dos meus pais de sangue, antes de eles morrerem e pular de um hospital pra um orfanato e depois pra um hospital de novo, quando todo mundo ao redor achou que eu não estava bem pra conviver com as outras várias crianças.

Jasmine ainda voltava naquele hospital onde nós dois ficamos um tempo antes de sermos adotados. Diferente dela, eu odiava aquele lugar, porque me lembrava de uma época infeliz. Ela já tinha me convidado pra ir até lá visitar as crianças, mas só de pensar em fazer isso eu sentia vontade de vomitar.

Caminhei até a cama, me sentando ali e puxando meu celular pra mandar mensagem pra ela, porque sempre que me sentia mal ao pensar nessa parte da minha vida, era ela quem me ouvia. Jasmine foi quem me encontrou primeiro nessa família e eu sempre vou amar ela mais como uma mãe do que como uma irmã mais velha.

Antes de enviar uma mensagem pra ela, peguei meu caderno de desenho dentro da mochila, passando as folhas até encontrar o que estava procurando. O nó na minha garganta quase me deixou sem ar, porque era difícil olhar pra uma foto minha criança ao lado dos meus pais de sangue, sem sentir que havia alguma coisa quebrada em mim.

Eu amava meus pais adotivos. Eu amava tanto eles que não conseguia pensar em um momento da minha vida que não tenha sido grato por ter sido adotado por eles. Mas não importava, porque alguma coisa ia sempre estar faltando na minha vida. Uma parte minha que ficou naquele acidente e que eu não consegui encontrar mesmo depois de conseguir uma família incrível.

Enviei uma mensagem a Jasmine, porque não queria ligar naquele momento, sabendo que provavelmente não ia conseguir conversar com ela. E Jasmine tinha acabado de ter um bebê e eu não queria incomoda-la com meus problemas. Fiquei de pé e caminhei até a janela, abrindo um sorriso quando vi o carro entrando ali e parando em frente a garagem. A esposa de Zack desceu, junto com duas crianças super animadas.

Assim que eles entraram, achei que deveria sair do quarto e descer até a sala para falar com ela, por educação. A porta de Hannah ainda estava fechada quando sai pro corredor. Me xinguei por dentro mais um pouco, porque Hannah merecia mais do que poucas palavras de mim.

—Char, você não pode comer sorvete três vezes ao dia. A gente já conversou sobre isso. —Escutei a voz de Bia e a encontrei tirando as jaquetas das crianças na entrada da casa.

—Mas eu estou com vontade e eu posso morrer de vontade se não comer. —A menina que estava na frente dela exclamou, parecendo quase estar implorando, enquanto apertava o gorro contra a cabeça. —É um caso de vida ou morte, mamãe!

—Que dramática. —O garoto que estava ao lado dela soltou, fazendo a menina se virar e fazer cara feia pra ele. Um mostrou a língua para o outro, o que fez Bia soltar uma risada.

—Parem já com isso e se comportem. —Bia afirmou, tirando o gorro dos dois para bagunçar seus cabelos, o que distraiu as crianças o suficiente para elas tentarem se afastar enquanto resmungavam. Bia beijou a cabeça de cada um e se afastou, notando a minha presença no pé da escada. —Luca, meu Deus, eu nem te vi aí. Oi!

—Oi, Bia. —Abri um sorriso sem graça, porque deveria ter dito alguma coisa assim que desci, em vez de ficar observando ela com os filhos. Tinha a conhecido no começo do ano, depois da peça que Wyatt protagonizou junto com Hazel.

—Chegou bem de viagem? Já descansou? Pode ficar a vontade, tá bom? Não precisa ter vergonha, porque aqui em casa tudo é uma bagunça. —Falou, se aproximando de mim, enquanto as crianças me observavam com aquela curiosidade que eu já estava acostumado.

—Tudo bem. Obrigada por me receber. —Aquela era minha resposta padrão, agradecer a qualquer coisa que alguém fizesse comigo, sem conseguir nada além disso.

—É um prazer te receber aqui. —Bia passou os braços ao redor dos ombros dos filhos, quando cada um parou de um lado dela. —Luca, essa é a Charlote e o Mason. Crianças, esse é o tio Luca. Ele vai passar o Natal aqui com a gente esse ano.

Bia precisou se afastar quando o interfone tocou perto da cozinha, me deixando sozinho com os dois. Abri um sorriso, me abaixando para ficar na altura dos dois. Zack tinha me falado sobre os filhos no caminho pra cá. Sabia que Charlote tinha 12 anos e provavelmente ia tentar me pedir sorvete 50 vezes ao dia, enquanto Mason tinha só 9 anos e gostava de histórias em quadrinhos.

—Oi. —Falei, sentindo vontade de rir quando os dois continuaram me olhando, parecendo muito curiosos, com os olhos enormes. —Parece que temos alguém que gosta muito de sorvete aqui. —Falei, olhando para Charlote, que abriu um sorrisinho pra mim. E era exatamente o mesmo sorriso do pai. —Eu também gosto. Flocos é o meu favorito.

—Eu também adoro esse. E eu odeio de chocolate, porque é doce demais e enjoa. —Charlote afirmou, e eu não poderia concordar mais com ela. Tinha certeza que nós dois íamos nos dar muito bem. —Por que você vai passar o Natal com a gente?

—O Adam e a Hazel estão namorando com dois dos meus irmãos. Eles vão passar o Natal aqui e me trouxeram com eles. —Expliquei, e Charlote balançou a cabeça, parecendo compreender tudo muito bem. Olhei para Mason, que estava tentando ajeitar os cabelos que a mãe tinha acabado de bagunçar. —E você, Mason, do que você gosta?

—Dormir. —Foi a resposta automática que ele me deu, o que acabou me fazendo rir.

—Eu também, cara. —Concordei com ele, me aproximando para tentar ajeitar os cabelos dele e depois colocar o seu gorro. —Seu pai me disse que você gosta de histórias em quadrinhos. Pode me mostrar as que você tem. Eu tenho uma coleção também.

—Jura? —Os olhos de Mason praticamente saltaram para fora quando ele me ouviu, parecendo super eufórico. —Eu tenho uma coleção também. A gente pode trocar se tiver algum repetido.

—Ótima ideia. —Falei, vendo o sorrisão que ele me deu, antes da sua atenção ser roubada pelo som de alguém descendo as escadas.

—Tia Hannah! —Os dois gritaram ao mesmo tempo, esquecendo da minha existência quando quase me derrubaram no chão ao passar correndo por mim.

Me virei, escutando a risada de Hannah quando os dois praticamente a derrubaram nos degraus da escada, se agarrando a ela como se estivesse morrendo de saudades. Ela encheu os dois de beijos e abraços, enquanto os dois reclamavam sobre a falta que sentiram dela e dos outros. Não consegui desviar os olhos enquanto a via com os dois, porque Hannah parecia ser uma tia incrível.

Continua...

A última jogada do coração/ Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora