Reconciliação.

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Com as mãos inquietas, Sara se levantou da cama e caminhou até a mesinha. Pegou o telefone e abriu sua lista de contatos, procurando por Wilbert. Mesmo que a incerteza pesasse, ela decidiu seguir seu instinto, mesmo sem saber se essa seria a melhor decisão para todos. Após uma tentativa falha de ligar para Wilbert, o telefone dele caiu direto na caixa postal.

— Oi, gatinho... — começou ela, sua voz baixa e hesitante. — Você deve estar ocupado agora. Mas a gente precisa conversar... me liga quando puder.

Desligou o telefone e ficou olhando para ele, sentindo uma mistura de frustração e ansiedade tomar conta. Foi então que uma batida na porta a fez saltar, mas ela logo relaxou.

— Entra — murmurou.

A porta se abriu devagar, revelando Pedro, que segurava uma sacola nas mãos. O clima entre eles ainda era denso, a sombra da briga recente pairando sobre ambos.

— Meu pai te deixou entrar? — perguntou Sara, levantando uma sobrancelha.

— Ah, qual é... — Pedro deu um sorriso tímido. — A gente se conhece há anos. Ele sabe que eu sou quase da família. Posso entrar?

Ela assentiu com a cabeça, e ele fechou a porta atrás de si, caminhando até a cama e sentando ao lado dela. Houve um silêncio tenso por alguns minutos, até que Pedro, inquieto, decidiu quebrar o gelo.

— Eu trouxe açaí — disse, tirando a sacola de plástico. — Açaí com ninho... seu favorito.

Sara olhou para ele, a expressão suavizando um pouco.

— Então, você acha que pode me comprar com comida? — provocou, tentando não sorrir.

— Se eu trouxer a comida certa, talvez consiga — respondeu ele, com um tom brincalhão que arrancou um sorriso discreto de Sara.

Mas logo o silêncio voltou, dessa vez mais leve. Pedro respirou fundo, a seriedade tomando conta de sua voz.

— Desculpa por hoje, Sara... — começou ele, olhando para baixo. — Eu só... eu só fiquei preocupado com você. A gente escuta tantas histórias daquele lugar, e o que a gente vê quando vai lá por alguns minutos... é assustador. Eu fiquei com medo do que podia acontecer com você.

Sara o encarou por um momento, sentindo um misto de compreensão e frustração. Ela sabia que Pedro só queria protegê-la, mas ao mesmo tempo, a superproteção dele a sufocava.

— Eu entendo, Pedro — disse ela, suspirando. — Eu sei que o morro tem uma realidade completamente diferente da nossa. É outro mundo lá em cima... mas você não precisa se preocupar assim. Eles não fazem nada comigo, nem falam comigo, na verdade. Sou só mais uma por lá.

Pedro balançou a cabeça, inquieto.

— Não é só isso, Sara. Você não vê o que eu vejo. Aqueles caras... eles estão metidos em coisas pesadas. Eu só quero que você fique longe disso, longe do perigo. Não posso perder você também.

Sara sentiu a sinceridade na voz dele, o medo de perder mais alguém. Sabia que Pedro já tinha enfrentado suas próprias perdas, e isso o tornava ainda mais protetor. Sua raiva inicial começou a derreter.

— Eu sei que você só quer me proteger, mas eu preciso entender o que está acontecendo por mim mesma — disse ela, tentando encontrar as palavras certas. — Não é tão simples quanto parece.

Pedro a encarou, seus olhos cheios de preocupação.

— E se você se meter em algo maior do que pode lidar? — ele perguntou, a voz baixa. — Não quero que você acabe... machucada.

Sara desviou o olhar, mordendo o lábio. Ela sabia que estava envolvida em algo maior do que Pedro jamais imaginaria, algo que talvez nem ela mesma compreendesse por completo. Mas como ela poderia explicar isso a ele?

— Eu prometo que vou tomar cuidado — disse ela, depois de um longo momento de silêncio. — Eu sei que as coisas estão complicadas, mas preciso que você confie em mim.

Pedro ficou em silêncio por um instante, observando-a.

— Eu confio em você — disse ele, finalmente. — Só... não quero que você faça isso sozinha. Estou aqui, sempre estive, e sempre vou estar. Se precisar de mim... me chama, tá?

Sara sorriu, sentindo o peso da tensão se dissipar um pouco.

— Obrigada, Pedro... por sempre estar por perto, mesmo quando eu sou difícil — disse ela, com um sorriso mais sincero agora.

— Difícil é apelido, né? — brincou ele, abrindo o açaí e entregando para ela. — Mas sério, eu tô aqui, sempre.


Eles começaram a comer o açaí juntos, o clima entre eles finalmente mais leve. Mesmo sem todas as respostas, pelo menos, por agora, eles tinham conseguido se acertar.


— Você sempre tentou me proteger de tudo, mesmo quando não precisava — disse ela, quase rindo. — Como aquela vez, no colégio, quando aquele garoto queria brigar comigo porque eu o chamei de idiota?


Pedro riu, a tensão no ar diminuindo um pouco.

— Eu lembro. Ele era o valentão da escola e você foi lá e disse na cara dele que ele não sabia fazer conta nos dedos. Eu só fiz o que qualquer amigo faria.

— É, mas você que acabou levando o soco — respondeu Sara, agora rindo mais.

Pedro deu de ombros, ainda rindo.

— Valeu a pena. Pelo menos ele te deixou em paz.

Eles ficaram em silêncio por alguns segundos, ambos mergulhados nas lembranças. O clima entre eles estava mais leve, mas Sara sabia que ainda havia coisas não ditas, sentimentos que pairavam no ar.

Impuros - Nossa Liberdade.Onde histórias criam vida. Descubra agora