Manhã no Dendê.

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Sara acordou com a claridade do sol invadindo o quarto. Ao abrir os olhos lentamente, percebeu que estava sozinha na cama. No entanto, o aroma familiar de café invadiu suas narinas. Ela não era fã da bebida, mas sabia exatamente quem estava na cozinha preparando.

Com preguiça, levantou-se e logo notou que ainda estava nua. Pegou a calcinha jogada no chão e vestiu a camisa de Wilbert, que estava ao lado da cama. Sentindo-se confortável e um pouco divertida com a situação, caminhou até a cozinha.

— Bom dia — disse, entrando no ambiente com um sorriso no rosto.

Wilbert se virou, e um sorriso largo surgiu em seu rosto ao vê-la vestida com sua camisa.

— Bom dia, princesa. Dormiu bem?

— Muito bem — respondeu Sara, retribuindo o sorriso. — Fazia semanas que não dormia assim.

— Fico feliz por isso — disse ele com sinceridade. — Fiz o café da manhã.

Ele estendeu um prato com pão com manteiga e um copo de café. Sara sorriu, achando o gesto adorável, mas sem jeito por não gostar da bebida.

Wilbert percebeu a hesitação e arqueou as sobrancelhas.

— Tá tudo bem?

— Tá, sim. — Ela hesitou. — Só que... eu não sou muito fã de café.

Ele riu, claramente surpreso.

— Não toma café? — Ele balançou a cabeça, rindo. — Meu Deus, que paladar infantil, princesa!

— Em minha defesa, é amargo e ruim — respondeu, rindo também.

— Vou ter que providenciar Nescau pra você então — disse ele. — Prometo que não te deixo sem café da manhã adequado.

— Relaxe, gatinho — disse Sara, ainda sorrindo.

Wilbert então fez outro pão para ele e pegou o café que havia preparado para ela. Os dois seguiram até o sofá na sala, acomodando-se confortavelmente.

— E a prova de ontem, princesa? — perguntou ele, interessado.

— Foi razoável. Acho que tirei um seis — respondeu ela, dando uma mordida no pão.

— Se você estudou, tenho certeza de que se saiu bem. — Wilbert falou com convicção.

— Você diz isso porque não está na faculdade — respondeu Sara, rindo. — Aquele lugar é um circo de horrores. Só se importam com as notas, ninguém liga para sua saúde mental.

— E é por isso que eu desisti — disse ele. — Mas não siga meu exemplo, hein.

— Você pensou em fazer faculdade? — perguntou Sara, surpresa.

— Na real, não tive tempo pra isso — confessou Wilbert. — Quando eu era moleque, meu pai já era do movimento. Não tive tempo pra pensar em outra coisa, acho que nunca pensei.

Sara ouvia atentamente, curiosa para saber mais sobre o passado dele.

— E como você foi parar aqui? — perguntou ela, tentando ser direta, mas logo percebendo que talvez tivesse sido brusca.

— Eu já cresci nesse meio, meu pai morreu um um confronto com uma comunidade rival. Depois, ficou só eu e minha mãe. Sem muita opção fiz o que a maioria daqui é obrigado a fazer. — respondeu ele, com sinceridade.

Sara ficou tocada pela história, entendendo que Wilbert, como tantos outros, acabou no tráfico pela falta de opções.

Ela queria perguntar mais sobre o envolvimento dele, mas não sabia como sem ser direta. A ansiedade começou a crescer, e seu corpo a traiu com uma perna inquieta.

— Pode perguntar, princesa — disse Wilbert, notando o nervosismo. — Sei que tem algo que você quer saber.

— Hum? — Sara piscou, surpresa.

— Tá inquieta. Vai, fala logo.

Ela hesitou por um momento, buscando as palavras certas.

— Há quanto tempo você faz parte do movimento?

Wilbert sorriu suavemente e pegou a mão dela, colocando o copo de café sobre a mesa e olhando diretamente em seus olhos.

— Primeiro, quero que saiba que ninguém aqui vai te fazer mal, tá? — disse ele, firme. — Tô nisso há muito tempo. Antes, eu era só um vendedor meia boca, mas agora o Evandro me ajudou. Se estou melhor agora, devo agradecer a ele.

Ela já esperava algo do tipo, mas ouvir a confirmação ainda foi um choque.

— Eu meio que já desconfiava... — confessou Sara, suspirando.

— Você é muito esperta, princesa. — Wilbert apertou levemente a mão dela. — Mas eu te contei porque quero que a gente leve isso a sério. Não acho justo esconder nada de você.

Um sorriso brotou em seus lábios. Sara também queria levar a relação a sério, e o olhar sincero dele a fez sentir algo especial. Mas, de repente, uma sensação de culpa a invadiu ao pensar que estava escondendo algo.

Seu sorriso se desfez, e ela abaixou o olhar, que parou no jornal em cima da mesinha de centro. Na capa, uma foto familiar chamava sua atenção: o rosto de seu pai.

Ela pegou o jornal, lendo o título: "Senador Fontes promete que, se for reeleito, manterá a criminalidade longe das ruas."

Wilbert deu uma risadinha ao notar.


— Esse cara aí é mó pela saco — disse ele, observando o jornal. — Esse daí vende até a mãe, só pra ganhar voto. É um otário.

Sara mordeu o lábio, segurando o riso.

— É isso que você acha do meu pai? — perguntou, deixando escapar uma risada.

Wilbert ficou em silêncio, a surpresa estampada no rosto.

— O senador Fontes... é seu pai? — perguntou ele, lentamente.

Ela assentiu, desviando o olhar para o jornal em suas mãos. Com um suspiro irônico, apontou para a foto onde seu pai posava ao lado de outros políticos.

— Ele sempre está onde menos quero que esteja — comentou, tentando esconder a amargura na voz.

Wilbert a observou em silêncio por um momento, antes de estender a mão para tocar seu rosto suavemente, em um gesto de conforto.

— Por que você não me contou antes? — perguntou ele, com uma expressão suave.

— Não sei... acho que eu só... — Ela respirou fundo. — Não é algo de que eu me orgulhe muito.

Impuros - Nossa Liberdade.Onde histórias criam vida. Descubra agora